Já foi explícito

Por Mauro Malin em 15/10/2014 na edição 820

Escreve um leitor do Observatório da Imprensa: “Eu nunca vi, na história desse país, a mídia, sob a escusa de informar, fazer campanha eleitoral ostensivamente”. Admita-se que, por falha de digitação, tenha ficado de fora o advérbio “tão”: “tão ostensivamente”. Com ou sem o advérbio faltante, o leitor está enganado. Ou é muito jovem, ou se esqueceu de fatos passados.
Talvez caiba até a constatação contrária: a mídia jornalística faz cada vez menos campanha ostensiva para candidatos. Repita-se pela enésima vez que os jornais nasceram completamente partidários. No Brasil, para citar um caso notório do século 20, Carlos Drummond de Andrade, em Belo Horizonte, antes de ir morar no Rio de Janeiro, foi redator e editor do Diário de Minas, do Partido Republicano Mineiro.
Censura
Nos períodos em que imperou a censura (1937-1945 e 1969-1976) não havia espaço para jornais e revistas partidários, em alguns momentos nem sequer oposicionistas, embora logo essa restrição tenha sido contornada, tanto nos anos 1940 como nos anos 60 e 70, por revistas ou jornais que reuniam a intelectualidade oposicionista (Diretrizes, Seiva e Continental, entre outras, no primeiro período, Revista Civilização Brasileira, Folha da Semana, O Pasquim, Movimento, Opinião, Coojornal, O Repórter, entre outros, no segundo).
É possível imaginar que a censura tenha entortado as mentes jornalísticas, mas isso não durou muito, porque a explicitação voltou com a maior naturalidade nos períodos de liberdade, quando a mídia foi primeiro majoritariamente anticomunista e antigetulista (governo Dutra) e assim permaneceu depois, com a famosa exceção da Última Hora de Samuel Wainer na década de 1950. Os jornais não apenas apoiaram o movimento que desembocou no golpe de 1964: vários deles fizeram parte da trama, como o Estado de S.Paulo, o Globo, os Diários Associados e por aí afora.
Ditadura
Durante a implantação da ditadura, foram histericamente anticomunistas e apoiaram babando de contentamento o regime. Exceção foi o Correio da Manhã, que pediu estridentemente o golpe e pouco depois recuou, sendo por isso exterminado. Mesmo destino teve a Última Hora, que, claro, fora contra o golpe.
Depois do AI-5, os veículos da grande imprensa apoiaram sem pestanejar a repressão contra “subversivos”, ou melhor, colaboraram com ela, divulgando suas mentiras, ou, pior, fornecendo veículos para operações repressivas, como se imputa à Folha de S.Paulo. Mas a partir de determinado ponto, que variou de veículo para veículo, começaram a migrar para a oposição ao regime.
A grande exceção da redemocratização da mídia foi constituída pela TV Globo, pela Rádio Globo e pelo jornal O Globo, cujo primeiro grito de inconformidade só seria dado por uma reportagem que colocou a nu a trama do Riocentro, na festa de Primeiro de Maio de 1981. A TV Globo ainda apresentaria o grande comício pelas Diretas na Praça da Sé, em São Paulo, no dia 25 de janeiro de 1984, como uma multidão reunida para comemorar o aniversário da cidade.
O Jornal do Brasil, que havia malufado em troca de dinheiro, e com isso perdido 30 mil de cerca de 100 mil assinantes, providenciou uma adesão à Nova República com o caderno “Tancredo, a restauração”, publicado no dia 15 de janeiro de 1985. O caderno foi editado em dez dias, ou seja, entre 5 e 14 de janeiro: quando já não havia mais dúvida sobre a derrota de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, no dia 15.
O apoio já foi bem mais ostensivo, sim. Abaixo vão ilustrações, uma de setembro de 1960 e outra de maio de 1989.
O que não quer dizer que a mídia jornalística hoje não faça campanha. Faz, sim, e muita. Melhor seria assumir claramente suas posições, abandonando definitivamente a hipocrisia e o embuste de uma falsa objetividade – contanto que o noticiário fosse razoavelmente preservado da mentira, da distorção, do enviesamento malandro ou truculento.
 

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