Cinco empresas que usam símbolos da escravidão como marca

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Explorando figuras de escravos, navios negreiros e recorrendo a nomes como “Senzala”, empresas brasileiras utilizam a escravidão como marca positiva para atrair a clientela e viram alvo de debates sobre racismo
Por Jarid Arraes Do Portal Fórum
No último dia 25, publiquei em minha coluna Questão de Gênero uma denúncia contra a Divino Fogão, uma rede de restaurantes que utiliza como “símbolo” da empresa a figura de uma mulher negra vestida como serviçal, convenientemente chamada de “Sinhá”. No texto, explico a exploração da imagem da mulher negra como racista, já que a empresa faz da “Sinhá” uma referência à comida da fazenda colonial; ou seja, utiliza símbolos da escravidão como marca.
O texto teve uma repercussão muito grande e, por isso, recebi muitas mensagens com sites e imagens de outros estabelecimentos que exploram imagens da escravidão como marca. Alguns dos estabelecimentos estão listados abaixo, acompanhados de uma maior discussão sobre o problema.
5 empresas brasileiras que utilizam a escravidão como marca:
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Senzala Restaurante / Bar & Grill – Restaurante localizado em Alto de Pinheiros, São Paulo, que mostra no próprio nome a total falta de respeito e sensibilidade para com a história da população negra. Afinal, por qual motivo, se não racismo, um estabelecimento faria uso do nome “Senzala” como marca? O que há de agradável e atrativo em uma senzala, o local onde pessoas negras foram amontoadas e jogadas em condições sub-humanas enquanto eram escravizadas por brancos?

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Motel Senzala – Atente para a imagem ao lado, onde é possível ver quartos chamados de “Grilhões”, “Senzala” e até mesmo “Escrava”. A existência de um motel que explora diversas referências do período escravista no Brasil é, no mínimo, intrigante. Os quartos são batizados de acordo com essa lógica e, além de serem construídos para resgatar o clima da escravidão, ainda exploram ícones de resistência negra, como os Quilombos, para vender uma aura de fantasia sexual escravista. Vale salientar que no período da escravidão, principalmente mulheres negras eram estupradas por homens brancos, que as utilizavam como objetos e faziam da violência sexual mais uma forma de dominação. O Motel Senzala está localizado em Porto Alegre (RS).

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Supermercado Negreiros – O caso da rede de supermercados é, sem dúvida alguma, um dos mais questionáveis. A identidade visual da empresa faz uso da figura de uma caravela como logomarca, que juntamente ao nome “Negreiros”, torna impossível não pensar nos navios negreiros que traziam pessoas negras escravizadas do continente africano. Os escravos trazidos ao Brasil eram tratados de forma pior do que caixas de bebidas ou alimentos, já que viajavam através do oceano amontoados como coisas, dividindo um espaço mínimo com centenas de outros, muitos com doenças gravíssimas. Além disso, essas pessoas ainda tinham que dormir sobre suas próprias fezes e outros excrementos, sem roupas, em uma das maiores demonstrações do que o racismo pode ser capaz de causar. Se a rede de supermercados queria brincar com a ideia de tradição na importação de mercadorias, conseguiram o título de uma das empresas mais racistas de todo o Brasil.
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Joaquina Bar & Restaurante – A empresa foi indicada pela bióloga Ana Carolina Marques, que a conheceu quando foi convidada para comemorar o aniversário de um amigo no estabelecimento. Marques conta que se sentiu extremamente desconfortável com a exploração da figura da escrava Joaquina como marca e nunca mais retornou: “Eu não conseguia deixar de pensar no uso do nome de uma escrava para um lugar onde a clientela é majoritariamente branca de classe média e alta. No dia em que fui o único cliente negro era um amigo nosso, com negros apenas servindo ou cozinhando”, relata. Na página da empresa, eles explicam que Joaquina foi uma escrava que conquistou sua liberdade por meio de suas comidas, agradando os brancos pela barriga. É asqueroso ver uma elite branca alegando homenagear uma mulher escravizada, mas na verdade explorando seu desespero e sua única estratégia de sobrevivência. Os sorrisos nos rostos majoritariamente brancos da clientela remetem ao passado não tão distante da escravidão, com a possível presença da própria Joaquina servindo sua comida na esperança de ser tratada como um ser humano e não como uma escrava que só serve para cozinhar e servir. O Bar Joaquina fica na cidade do Rio de Janeiro.
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Divino Fogão – A rede de restaurantes não poderia ficar fora da lista, já que depois da polêmica envolvendo a empresa, a assessoria de imprensa chegou a entrar em contato para dizer que “repudia, por todos os meios, qualquer prática racista ou discriminatória” e que a figura da serviçal negra chamada “Sinhá” é “considerada de forma respeitosa” e “muito querida por todos”. Afinal de contas, perante a lei brasileira, a Divino Fogão pode ser considerada inocente – já que “em nenhum momento, há qualquer relação ou frase que vincule a foto da Sinhá a uma atividade de menor qualificação ou desrespeitosa perante a sociedade”.
Aliás, segundo a assessora, a rede teria até mesmo se reunido com ONGs e “representantes da população afrodescendente” para debater a personagem Sinhá, que teria sido supostamente aprovada como “mascote”. Após questionada sobre quais ONGs e ativistas teriam se reunido com a empresa, a assessoria afirmou desconhecer os nomes. A assessora ficou, então, de investigar e repassar a informação quando a tivesse disponível. Até o momento de fechamento dessa matéria, não houve qualquer retorno da Divino Fogão.

Você está disposto a refletir?
Embora estejam listados somente cinco estabelecimentos, há centenas de outras empresas que utilizam nomes como “Senzala, “Casa Grande”, “Negreiros” e figuras de pessoas negras escravizadas como marca, identidade visual e nome de seus negócios. Uma breve busca no siteCNPJ Brasil – que lista empresas brasileiras com seus CNPJs – nos mostra uma incômoda realidade: muita gente acha que a escravidão vende e é uma associação positiva para um comércio.
É difícil compreender as razões, principalmente porque é ultrajante que as pessoas não entendam a gravidade da escravidão e não respeitem a história das pessoas negras. Como a figura de seres humanos açoitados, dilacerados e completamente humilhados seria uma boa ideia para atrair clientes? Que tipo de clientela é essa, que consegue se divertir, comer e desfrutar de momentos prazerosos sobre a memória de corpos negros mortos e presos aos troncos onde eram violentados?
A feminista negra e jornalista Aline Ramos, autora do site “Que Nega é Essa?“, afirma que a única forma de se falar de escravidão seria problematizando a questão, denunciando o que aconteceu e fazendo um resgate histórico capaz de expor as mazelas do racismo. “Mas são empresas, né? Então o que fazem quando usam símbolos de escravidão é tornarem aquilo em algo positivo. Uma inversão muito perversa e danosa para a nossa sociedade, que ainda tem dificuldade em entender como o período da escravidão exerce forte influência no nosso dia a dia”, alerta Ramos.
“Nenhuma imagem, nenhum símbolo está sozinho no mundo. Realmente, uma mulher negra sorridente como mascote parece não oferecer mal nenhum e não ser ofensivo, mas o problema está na construção histórica e o significado que a acompanha”, explica a jornalista, sobre a empresa Divino Fogão. Mas seus comentários sobre as outras empresas não são diferentes. No caso da rede de supermercados Negreiros, Aline Ramos argumenta: “A identidade desse supermercado é uma das coisas mais perversas e racistas que podemos encontrar no Brasil. Não há como duvidar que o símbolo a que fazem alusão são os navios negreiros. Não há nada de feliz e sorridente num navio negreiro, ele era o símbolo de como o negro era visto como um animal e mera carga de viagem que poderia ser descartada a qualquer momento. E era isso que ocorria, pois muitos negros nem chegaram ao Brasil porque no meio das viagens morriam por doenças e castigos físicos”.
Para a ativista, o uso da escravidão como marca positiva para empresas acontece porque no Brasil se vive o mito da democracia racial. “A crença de que vivemos pacificamente e que não há racismo atualmente cria uma falsa impressão e noção sobre as relações entre negros e brancos; para piorar a situação, nós vemos grupos de poder, como veículos de comunicação e empresas, reafirmando que a escravidão não foi tão ruim assim e que realmente não há racismo no Brasil. A linguagem é poder, é ideológica – e nós sabemos qual ideologia empresas como essa querem passar”, alerta Ramos.
Para combatermos o racismo brasileiro e a banalização do sofrimento da população negra, quer seja do passado ou do presente, precisamos expor casos como esses e debater seriamente sobre empresas como as listadas. Esse processo de discussão e conscientização é difícil e desconfortável, mas o racismo tem que ser confrontado sem eufemismos. Somente assim conquistaremos mudança; afinal, toda transformação social conquistada até hoje enfrentou resistência e reprovação dos grupos dominantes e que se beneficiam com a injustiça. O silêncio precisa ser rompido para que o racismo jamais passe impune.

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