“O 13 de maio foi uma das maiores crueldades contra a população escrava do Brasil”, afirma historiador




“Do ponto de vista produtivo, a mentalidade empresarial brasileira continua sendo a mesma mentalidade das oligarquias dominantes do século XIX”
O 13 de Maio, data da Abolição Oficial da Escravatura no Brasil, perdeu muito de seu sentido histórico graças à influência do Movimento Negro, que a renega por ter conduzido, durante muitos anos, à falsa noção de que a liberdade dos povos escravizados teria sido uma dádiva de uma princesa. O 20 de Novembro, data de morte do herói nacional Zumbi dos Palmares, passou a integrar o calendário de comemorações do povo negro, reivindicando, assim, a autoria de sua própria histórica. A audácia e articulação dos militantes negros fizeram prosperar uma nova interpretação da História nacional, que ganhou impulso com a criação da Lei 10.639, em 2003, introduzindo o estudo da História dos afrodescendentes no currículo escolar.
Ainda assim, o 13 de Maio continua sendo objeto de acalorados debates, vide artigo de Zulu Araújo postado mais abaixo. Aproveitando a ocasião, o blog conversou com historiador José Alves Dias, professor, doutor em História do Brasil e profundo conhecedor da História da Bahia. Com a fala franca que o caracteriza, inclusive em sala de aula, ele é da opinião segundo a qual o 13 de maio representa, “enquanto um processo imediato pós escravidão”, uma das maiores crueldades feitas contra a população escrava do Brasil. Isto porque, uma vez “libertos”, esses indivíduos tinham três opções: vagar pelas estradas em miséria absoluta; manter-se no mesmo regime de escravidão, agora voluntária, ou trabalhar em condições extremamente piores que as da escravidão.
Abaixo, trechos da conversa com o historiador:

FÁBIO SENA: Professor, qual o significado histórico do 13 de maio?
JOSÉ ALVES DIAS: Eu vou na contramão do pensamento comum. A escravidão do Brasil durou aproximadamente três séculos; começa com a escravidão dos indígenas e continua com a escravidão dos africanos. Como qualquer escravidão, foi extremamente cruel. Agora, há uma questão interessante de se observar que pouco se fala sobre o fim da escravidão, contextualizando com o fim do Império, porque a escravidão no Brasil ela termina,, não em função de um movimento abolicionista, a escravidão no Brasil termina em função da crise de um sistema político e econômico e, dentro dessa crise do sistema político e econômico, estão os produtores rurais, a grande oligarquia que dependia da mão de obra escrava e, quando esse sistema econômico entra em crise, juntamente com o sistema político imperial, isso tudo se reverte para a abolição da escravatura, tanto é que a abolição se dá através de uma legislação oficial.

FÁBIO SENA: A abolição não aboliu…
JOSÉ ALVES DIAS: Para mim, o 13 de maio representa, enquanto um processo imediato pós escravidão, uma das maiores crueldades feitas contra a população escrava do Brasil. Todos os indivíduos que eram escravos tinham três opções: ou eles ficavam vagando pelas estradas, passando fome, moribundos, numa miséria absoluta e total, muito pior que a miséria que tinham durante a escravidão; ou eles eram obrigados a se manter, inclusive alguns em função da idade, em função de uma série de relações, se mantinham nos mesmos lugares onde estavam e nas mesmas condições que estavam como escravos; ou foram trabalhar em condições ainda extremamente piores que as condições da escravidão, como trabalhadores livres, mas fazendo aquelas tarefas de cavar valas, cortar árvores, tarefas extremamente perigosas no sistema livre, pós escravidão. Então, assim, simbolicamente eu acho que o 13 de Maio representa a libertação dos negros escravos no Brasil, mas isso também é um processo que, a gente tem que lembrar, vem por outras vertentes. Está muito além da questão propriamente, simplesmente e exclusivamente da escravidão, tem a ver com todo um processo que vai se desenvolvendo durante o século XIX contra a escravidão e que aí você tem nomes importantes na história brasileira que fizeram esse trabalho motivador contra esse regime, tem a ver com a própria rebeldia dos escravos que, ao longo do tempo, vai criando essa cultura anti-escravista e acho que tem a ver também com o próprio processo de mudança do sistema econômico e político brasileiro, que vai criar outras alternativas de escravidão. Então, na minha avaliação, o 13 de maio representa muito mais uma reflexão sobre o que foi o processo de escravidão do que necessariamente uma comemoração a respeito da abolição.

FÁBIO SENA: O fato de a Abolição ter-se dado nesses moldes, jogando os ex-escravos em condição sub-humana, ainda se reflete na sociedade atual?
JOSÉ ALVES DIAS: A estratificação social hoje no Brasil ela é uma estratificação do ponto de vista econômico e social, mas ela também é uma estratificação do ponto de vista étnico, quer dizer, na base da pirâmide da sociedade estão exatamente os grupos sociais menos favorecidos, aqueles que mais sofrem, aqueles que tem o menor salário, aqueles que sofrem maior opressão e, dentro desse grupo, uma grande maioria são descendentes de escravos, tem uma descendência direta com escravos, sejam eles pretos ou não, negros de alguma forma. E eu acho que tem dois setores onde isso se apresenta com uma proeminência maior, no sistema educacional e no setor produtivo. No sistema educacional porque, exatamente em função dessa inacessibilidade do escravo à educação, isso vai repercutir nas gerações posteriores e, para você corrigir isso… não se corrigem trezentos anos facilmente. Do ponto de vista produtivo, a mentalidade empresarial brasileira continua sendo a mesma mentalidade das oligarquias dominantes do século XIX e séculos anteriores durante a escravidão, ou seja, as relações de trabalho hoje estão muito para-além da escravidão provocada pelo capitalismo, ela continua sendo uma maneira de escravização similar àquela que a escravidão provocava. Quer dizer, a mentalidade do Brasil nas relações de trabalho não se modificou.


“O 13 de maio foi uma das maiores crueldades contra a população escrava do Brasil”, afirma historiad...
"Do ponto de vista produtivo, a mentalidade empresarial brasileira continua sendo a mesma mentalidade das oligarquias dominantes do século XIX"
“Do ponto de vista produtivo, a mentalidade empresarial brasileira continua sendo a mesma mentalidade das oligarquias dominantes do século XIX”
O 13 de Maio, data da Abolição Oficial da Escravatura no Brasil, perdeu muito de seu sentido histórico graças à influência do Movimento Negro, que a renega por ter conduzido, durante muitos anos, à falsa noção de que a liberdade dos povos escravizados teria sido uma dádiva de uma princesa. O 20 de Novembro, data de morte do herói nacional Zumbi dos Palmares, passou a integrar o calendário de comemorações do povo negro, reivindicando, assim, a autoria de sua própria histórica. A audácia e articulação dos militantes negros fizeram prosperar uma nova interpretação da História nacional, que ganhou impulso com a criação da Lei 10.639, em 2003, introduzindo o estudo da História dos afrodescendentes no currículo escolar.
Ainda assim, o 13 de Maio continua sendo objeto de acalorados debates, vide artigo de Zulu Araújo postado mais abaixo. Aproveitando a ocasião, o blog conversou com historiador José Alves Dias, professor, doutor em História do Brasil e profundo conhecedor da História da Bahia. Com a fala franca que o caracteriza, inclusive em sala de aula, ele é da opinião segundo a qual o 13 de maio representa, “enquanto um processo imediato pós escravidão”, uma das maiores crueldades feitas contra a população escrava do Brasil. Isto porque, uma vez “libertos”, esses indivíduos tinham três opções: vagar pelas estradas em miséria absoluta; manter-se no mesmo regime de escravidão, agora voluntária, ou trabalhar em condições extremamente piores que as da escravidão.
Abaixo, trechos da conversa com o historiador:
FÁBIO SENA: Professor, qual o significado histórico do 13 de maio?
JOSÉ ALVES DIAS: Eu vou na contramão do pensamento comum. A escravidão do Brasil durou aproximadamente três séculos; começa com a escravidão dos indígenas e continua com a escravidão dos africanos. Como qualquer escravidão, foi extremamente cruel. Agora, há uma questão interessante de se observar que pouco se fala sobre o fim da escravidão, contextualizando com o fim do Império, porque a escravidão no Brasil ela termina,, não em função de um movimento abolicionista, a escravidão no Brasil termina em função da crise de um sistema político e econômico e, dentro dessa crise do sistema político e econômico, estão os produtores rurais, a grande oligarquia que dependia da mão de obra escrava e, quando esse sistema econômico entra em crise, juntamente com o sistema político imperial, isso tudo se reverte para a abolição da escravatura, tanto é que a abolição se dá através de uma legislação oficial.
FÁBIO SENA: A abolição não aboliu…
JOSÉ ALVES DIAS: Para mim, o 13 de maio representa, enquanto um processo imediato pós escravidão, uma das maiores crueldades feitas contra a população escrava do Brasil. Todos os indivíduos que eram escravos tinham três opções: ou eles ficavam vagando pelas estradas, passando fome, moribundos, numa miséria absoluta e total, muito pior que a miséria que tinham durante a escravidão; ou eles eram obrigados a se manter, inclusive alguns em função da idade, em função de uma série de relações, se mantinham nos mesmos lugares onde estavam e nas mesmas condições que estavam como escravos; ou foram trabalhar em condições ainda extremamente piores que as condições da escravidão, como trabalhadores livres, mas fazendo aquelas tarefas de cavar valas, cortar árvores, tarefas extremamente perigosas no sistema livre, pós escravidão. Então, assim, simbolicamente eu acho que o 13 de Maio representa a libertação dos negros escravos no Brasil, mas isso também é um processo que, a gente tem que lembrar, vem por outras vertentes. Está muito além da questão propriamente, simplesmente e exclusivamente da escravidão, tem a ver com todo um processo que vai se desenvolvendo durante o século XIX contra a escravidão e que aí você tem nomes importantes na história brasileira que fizeram esse trabalho motivador contra esse regime, tem a ver com a própria rebeldia dos escravos que, ao longo do tempo, vai criando essa cultura anti-escravista e acho que tem a ver também com o próprio processo de mudança do sistema econômico e político brasileiro, que vai criar outras alternativas de escravidão. Então, na minha avaliação, o 13 de maio representa muito mais uma reflexão sobre o que foi o processo de escravidão do que necessariamente uma comemoração a respeito da abolição.
FÁBIO SENA: O fato de a Abolição ter-se dado nesses moldes, jogando os ex-escravos em condição sub-humana, ainda se reflete na sociedade atual?
JOSÉ ALVES DIAS: A estratificação social hoje no Brasil ela é uma estratificação do ponto de vista econômico e social, mas ela também é uma estratificação do ponto de vista étnico, quer dizer, na base da pirâmide da sociedade estão exatamente os grupos sociais menos favorecidos, aqueles que mais sofrem, aqueles que tem o menor salário, aqueles que sofrem maior opressão e, dentro desse grupo, uma grande maioria são descendentes de escravos, tem uma descendência direta com escravos, sejam eles pretos ou não, negros de alguma forma. E eu acho que tem dois setores onde isso se apresenta com uma proeminência maior, no sistema educacional e no setor produtivo. No sistema educacional porque, exatamente em função dessa inacessibilidade do escravo à educação, isso vai repercutir nas gerações posteriores e, para você corrigir isso… não se corrigem trezentos anos facilmente. Do ponto de vista produtivo, a mentalidade empresarial brasileira continua sendo a mesma mentalidade das oligarquias dominantes do século XIX e séculos anteriores durante a escravidão, ou seja, as relações de trabalho hoje estão muito para-além da escravidão provocada pelo capitalismo, ela continua sendo uma maneira de escravização similar àquela que a escravidão provocava. Quer dizer, a mentalidade do Brasil nas relações de trabalho não se modificou.
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“O 13 de maio foi uma das maiores crueldades contra a população escrava do Brasil”, afirma historiad...
"Do ponto de vista produtivo, a mentalidade empresarial brasileira continua sendo a mesma mentalidade das oligarquias dominantes do século XIX"
“Do ponto de vista produtivo, a mentalidade empresarial brasileira continua sendo a mesma mentalidade das oligarquias dominantes do século XIX”
O 13 de Maio, data da Abolição Oficial da Escravatura no Brasil, perdeu muito de seu sentido histórico graças à influência do Movimento Negro, que a renega por ter conduzido, durante muitos anos, à falsa noção de que a liberdade dos povos escravizados teria sido uma dádiva de uma princesa. O 20 de Novembro, data de morte do herói nacional Zumbi dos Palmares, passou a integrar o calendário de comemorações do povo negro, reivindicando, assim, a autoria de sua própria histórica. A audácia e articulação dos militantes negros fizeram prosperar uma nova interpretação da História nacional, que ganhou impulso com a criação da Lei 10.639, em 2003, introduzindo o estudo da História dos afrodescendentes no currículo escolar.
Ainda assim, o 13 de Maio continua sendo objeto de acalorados debates, vide artigo de Zulu Araújo postado mais abaixo. Aproveitando a ocasião, o blog conversou com historiador José Alves Dias, professor, doutor em História do Brasil e profundo conhecedor da História da Bahia. Com a fala franca que o caracteriza, inclusive em sala de aula, ele é da opinião segundo a qual o 13 de maio representa, “enquanto um processo imediato pós escravidão”, uma das maiores crueldades feitas contra a população escrava do Brasil. Isto porque, uma vez “libertos”, esses indivíduos tinham três opções: vagar pelas estradas em miséria absoluta; manter-se no mesmo regime de escravidão, agora voluntária, ou trabalhar em condições extremamente piores que as da escravidão.
Abaixo, trechos da conversa com o historiador:
FÁBIO SENA: Professor, qual o significado histórico do 13 de maio?
JOSÉ ALVES DIAS: Eu vou na contramão do pensamento comum. A escravidão do Brasil durou aproximadamente três séculos; começa com a escravidão dos indígenas e continua com a escravidão dos africanos. Como qualquer escravidão, foi extremamente cruel. Agora, há uma questão interessante de se observar que pouco se fala sobre o fim da escravidão, contextualizando com o fim do Império, porque a escravidão no Brasil ela termina,, não em função de um movimento abolicionista, a escravidão no Brasil termina em função da crise de um sistema político e econômico e, dentro dessa crise do sistema político e econômico, estão os produtores rurais, a grande oligarquia que dependia da mão de obra escrava e, quando esse sistema econômico entra em crise, juntamente com o sistema político imperial, isso tudo se reverte para a abolição da escravatura, tanto é que a abolição se dá através de uma legislação oficial.
FÁBIO SENA: A abolição não aboliu…
JOSÉ ALVES DIAS: Para mim, o 13 de maio representa, enquanto um processo imediato pós escravidão, uma das maiores crueldades feitas contra a população escrava do Brasil. Todos os indivíduos que eram escravos tinham três opções: ou eles ficavam vagando pelas estradas, passando fome, moribundos, numa miséria absoluta e total, muito pior que a miséria que tinham durante a escravidão; ou eles eram obrigados a se manter, inclusive alguns em função da idade, em função de uma série de relações, se mantinham nos mesmos lugares onde estavam e nas mesmas condições que estavam como escravos; ou foram trabalhar em condições ainda extremamente piores que as condições da escravidão, como trabalhadores livres, mas fazendo aquelas tarefas de cavar valas, cortar árvores, tarefas extremamente perigosas no sistema livre, pós escravidão. Então, assim, simbolicamente eu acho que o 13 de Maio representa a libertação dos negros escravos no Brasil, mas isso também é um processo que, a gente tem que lembrar, vem por outras vertentes. Está muito além da questão propriamente, simplesmente e exclusivamente da escravidão, tem a ver com todo um processo que vai se desenvolvendo durante o século XIX contra a escravidão e que aí você tem nomes importantes na história brasileira que fizeram esse trabalho motivador contra esse regime, tem a ver com a própria rebeldia dos escravos que, ao longo do tempo, vai criando essa cultura anti-escravista e acho que tem a ver também com o próprio processo de mudança do sistema econômico e político brasileiro, que vai criar outras alternativas de escravidão. Então, na minha avaliação, o 13 de maio representa muito mais uma reflexão sobre o que foi o processo de escravidão do que necessariamente uma comemoração a respeito da abolição.
FÁBIO SENA: O fato de a Abolição ter-se dado nesses moldes, jogando os ex-escravos em condição sub-humana, ainda se reflete na sociedade atual?
JOSÉ ALVES DIAS: A estratificação social hoje no Brasil ela é uma estratificação do ponto de vista econômico e social, mas ela também é uma estratificação do ponto de vista étnico, quer dizer, na base da pirâmide da sociedade estão exatamente os grupos sociais menos favorecidos, aqueles que mais sofrem, aqueles que tem o menor salário, aqueles que sofrem maior opressão e, dentro desse grupo, uma grande maioria são descendentes de escravos, tem uma descendência direta com escravos, sejam eles pretos ou não, negros de alguma forma. E eu acho que tem dois setores onde isso se apresenta com uma proeminência maior, no sistema educacional e no setor produtivo. No sistema educacional porque, exatamente em função dessa inacessibilidade do escravo à educação, isso vai repercutir nas gerações posteriores e, para você corrigir isso… não se corrigem trezentos anos facilmente. Do ponto de vista produtivo, a mentalidade empresarial brasileira continua sendo a mesma mentalidade das oligarquias dominantes do século XIX e séculos anteriores durante a escravidão, ou seja, as relações de trabalho hoje estão muito para-além da escravidão provocada pelo capitalismo, ela continua sendo uma maneira de escravização similar àquela que a escravidão provocava. Quer dizer, a mentalidade do Brasil nas relações de trabalho não se modificou.
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