Preconceito institucional? (perguntar não ofende)
Marinha oferece casinhas para remover comunidade do Quilombo de Rio dos Macacos
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A bondade da Marinha, na notícia:
“Disposta a investir mais de R$ 3 milhões, a União pretende resolver de
forma amigável o impasse, deixando de lado as convicções de órgãos
federais”. Quais convicções??? TP.
Alexandro Mota – Correio
Posseiros: aqueles que se encontram na
posse clandestina ou ilegítima de terras particulares. Quilombolas:
comunidade descendente de africanos escravizados que mantêm tradições
culturais ao longo dos séculos.
Essa poderia ser uma discussão
semântica, se não fosse uma briga judicial que vai completar quatro anos
entre a Marinha do Brasil e moradores do local que ficou conhecido com
quilombo Rio dos Macacos, município de Simões Filho, na Região
Metropolitana de Salvador.
Disposta a ceder um terreno de 210 mil
m² e investir mais de R$ 3 milhões, a União pretende resolver de forma
amigável o impasse, deixando de lado as convicções de órgãos federais:
para a Marinha trata-se de posseiros; para o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), Ministério Público Federal (MPF) e
Defensoria Pública da União (MPU), aquela é uma comunidade remanescente
de quilombo.
A proposta é: toda a comunidade que
hoje, segundo levantamento da Justiça ocupa uma área de 59 mil m² (o
equivalente a 5 campos de futebol) da área total de 3 milhões m² de
propriedade da Marinha (277 campos de futebol), seria deslocada para um
trecho do terreno que fica a cerca de 500 metros de onde hoje eles
moram.
Segundo o documento a que o CORREIO teve
acesso, assinado pelo chefe da Assessoria Especial da Secretaria-Geral
da Presidência da República, Diogo de Sant’Ana, pela proposta 210 mil m²
da área da Marinha passam a ser dos moradores. Cada família receberá um
lote de 300 m² e uma casa construída pela própria Marinha, além da
inclusão no programa Brasil Quilombola.
Se aceitarem, a Marinha garante que os
quilombolas só precisarão desocupar as casas onde moram atualmente após o
fim da construção das novas casas, que terão investimento de R$ 3
milhões (valor que não inclui o estudo e a construção das alvenarias).
Para resolver uma das principais queixas da população, impedida de
fazer plantações onde moram atualmente, 36 mil m² da área seriam
reservados para o cultivo.
A Marinha argumenta ainda que o terreno
fica às margens da BA-256 e permitirá o acesso a infraestrutura básica:
água encanada, energia elétrica regularizada e saneamento, além de livre
acesso. Hoje grande parte dos quilombolas usa água do Rio dos Macacos e
queixa-se das restrições e atritos sempre que precisam entrar na Vila
Naval.
“Não queremos o mal dessas pessoas.
Queremos ceder e estamos oferecendo algo bastante vantajoso. O que não
achamos aceitável é que a Marinha tenha que sair dali, de um lugar
estratégico para a segurança da Nação e que hoje é a segunda base em
importância da Marinha”, avalia o comandante do 2º Distrito Naval,
vice-almirante Monteiro Dias.
Um laudo emitido pelo Ibama no ano
Passado [sic] é utilizado pela Marinha para indicar que as moradias,
consideradas irregulares, e o plantio e queimadas na região têm
colaborado para o assoreamento da barragem dos Macacos, única fonte de
distribuição de água para as atividades da Base Naval de Aratu.
O número das famílias beneficiadas pela
proposta é outro ponto de divergência: a Marinha acredita que hoje haja
cerca de 35 famílias morando no local. No relatório do Incra constam
67. Os três processos que correm na Justiça (veja ao lado) somam 30
réus.
Recusa
Porém, apesar da proposta — apresentada à liderança dos quilombolas no início do ano — a briga parece estar longe do fim.
Porém, apesar da proposta — apresentada à liderança dos quilombolas no início do ano — a briga parece estar longe do fim.
“Quando eles chegaram, nós já estávamos
aqui. Aqui nasceram nossos familiares, nós vivemos hoje dessa terra: da
quebra de nicuri, fazendo colares, fazendo cestas, colher de pau,
vassouras, vendemos manga e jaca. Não vamos sair daqui pra ir para um
‘Minha Casa, Meu desespero. Não queremos ver nossos filhos, que brincam
aqui livres, pedindo esmola no sinal”, argumenta Rosemeire dos Santos
Silva, 34, uma das representantes da comunidade.
Os moradores do quilombo demonstram
descrença em relação à proposta, principal [sic] com relação a irem para
uma área quase quatro vezes maior do que a que ocupam hoje. Para o
vice-almirante, a representante do grupo, Rosimeire, não repassa as
informações para a comunidade, impedindo um acordo — o que é [sic] ela
nega.
A rejeição da proposta foi unânime nas
cerca de 15 famílias que o CORREIO entrevistou. “Não é uma casa pronta
que nos convence. Foi aqui que nascemos, foi aqui que minha avó cortou o
cordão umbilical de meus pais, de netos”, afirma Ana Lucia Oliveira dos
Santos, 34, que mora em uma vila próxima da casa de três irmãos e da
casa do pai, José Catarino Araújo, 61, que conta que seus pais foram
funcionários dos fazendeiros de cana de açúcar [sic] donos das terras
antes de las [sic] serem doadas à Marinha, em 1957.
Entre eles, a ordem de despejo de
novembro de 2010 – quando o juiz emitiu a tutela antecipada, a favor da
Marinha - é motivo de brincadeira. “Tão querendo despejar o senhor,
pai”, brinca Ana. Ao que Catarino, segurando a bainha do facão na
cintura responde: “Daqui eu só saio morto”.
Fazendas foram doadas à Marinha em meados do século passado
A área hoje em disputa, antes de ser doada para uso da Marinha, era composta por três fazendas (Aratu, Meireles e Macacos), que cultivava [sic] cana de açucar [sic; cansei!]. As divergências surgem a partir de 1960, quando a Marinha inicia as atividades na área. A Marinha afirma que ao chegar no local não havia moradias e mostra o contrato de doação do terreno de uma das fazendas, que fala da “posse mansa e pacífica” do terreno doado.
A área hoje em disputa, antes de ser doada para uso da Marinha, era composta por três fazendas (Aratu, Meireles e Macacos), que cultivava [sic] cana de açucar [sic; cansei!]. As divergências surgem a partir de 1960, quando a Marinha inicia as atividades na área. A Marinha afirma que ao chegar no local não havia moradias e mostra o contrato de doação do terreno de uma das fazendas, que fala da “posse mansa e pacífica” do terreno doado.
Para a Marinha, só após 1980 alguns
agricultores chegaram, começaram a usar o local e firmaram morada. Por
conta da extensão da área, a Marinha diz ter perdido o controle. “O
laudo do Incra, apesar de não ser publicado, informa que é uma
comunidade quilombola. O documento fala que, apesar da doação, havia
pessoas residentes lá”, contesta o defensor público federal Átila
Ribeiro Dias, referindo-se ao Relatório Técnico de Identificação e
Delimitação (RTID) preparado pelo Incra em agosto de 2012, mas nunca
divulgado.
A Marinha questiona o RTID. “Houve uma
elaboração de um projeto utilizando métodos pouco científicos,
baseando-se unicamente em relatos orais dos próprios moradores. Assim,
está muito fácil ser quilombola hoje em dia”, afirma o comandante do 2º
Distrito Naval, vice-almirante Monteiro Dias. Segundo ele, não há no
local senso de comunidade, nem história própria — sendo esses alguns
dos requisitos de decreto federal de 2003 que regulamenta o que são
comunidades remanescentes de quilombo.
O Incra afirma que seguiu as Instruções
Normativas na elaboração do projeto e diz ter contado com uma “equipe
multidisciplinar formada por peritos agrários, analistas em Reforma e
Desenvolvimento Agrário, analistas em Reforma e Desenvolvimento Agrário
com especialização em Antropologia, profissionais da área de cadastro e
da área cartográfica”, detalha, em nota.
Maria Madalena Messias dos Santos, 57, é
filha da moradora mais antiga do quilombo: Mauricia Maria de Jesus, de
113 anos. “Nossa mãe conta que os pais dela eram trabalhadores da
fazenda, foram filhos de escravos, e receberam de boca o terreno como
indenização. É um absurdo que hoje digam que não somos filhos de
escravos”, diz.
A Marinha afirma que nem um terço da
população nasceu no local. Narciso Xavier, 58, é um exemplo. Ele conta
que seu pai veio de Sergipe e comprou as terras há cerca de 40 anos. Mas
Narciso diz que o pai, descendente de escravo, escolheu o local por
identidade com a comunidade.
Entenda o caso
Década de 50 e 60 UNIÃO
desapropria as terras que eram de três fazendas para uso do Comando da
Marinha do Brasil. O terreno foi doado à União pela prefeitura depois
que esta o recebeu com pagamento das dívidas das fazendas.
Década de 70 MARINHA
constrói barragem que hoje é a fonte de abastecimento para os serviços
da Base Naval de Aratu. O documento de doação da prefeitura previa que
essa barragem, na época, fizesse o abastecimento de água de bairros
vizinhos como contrapartida.
Outubro de 2009 Marinha do Brasil entra com a primeira de quatro ações reivindicatórias requerendo a desocupação da área militar.
Novembro de 2010 Primeira decisão judicial (tutela antecipada) determina a desocupação do local. Comunidade e Marinha fazem negociações.
Dezembro de 2010 Governo
do Estado e Prefeitura de Simões Filho fazem estudos para
reconhecimento do local e levantamento de políticas habitacionais para
atender às famílias que estavam recebendo ordem de despejo.
Setembro de 2011 Comunidade é certificada pela Fundação Cultural Palmares.
Outubro de 2011 Reconhecimento da Palmares é publicado no Diário Oficial da União.
Novembro de 2011 Incra inicia estudos para elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).
Novembro de 2011 Incra inicia estudos para elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).
Agosto de 2012 Primeiro
prazo de execução do despejo, mas acordo entre Justiça e Marinha impede
retirada dos quilombolas. No mesmo mês, Incra conclui RTID.
2º semestre de 2012 Fundação
Cultural Palmares, Ministério Público Federal e Incra formulam pedidos
para ingressar no processo, que tramita na 10ª Vara da Seção Judiciária
do Estado da Bahia. Ação foi desmembrada em três por causa do número de
réus. Dois desses processos estão suspensos devido à necessidade de
habilitação de herdeiros (dois réus faleceram).
Dezembro de 2012 Secretaria Geral da Presidência da República formula proposta que inclui a construção das casas.
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