D. Leopoldina, a mãe do Império brasileiro – Parte II
D. Leopoldina, a mãe do Império brasileiro – Parte II
Parte II – Da desilusão à açãoPor: Renato Drummond Tapioca Neto
Ao aportar no Rio de Janeiro em cinco de
novembro de 1817, Leopoldina de Habsburgo, a nova princesa real, estava
encantada com tudo e todos, principalmente para com o jovem esposo,
Pedro. As cartas que escreveu durante esse período revelam seu estado de
êxtase, ao referir-se inclusive à nova família como “anjos de bondade”.
Através das mesmas correspondências, podemos perceber que as noites do
casal eram bem agitadas, pois o marido “não me deixava dormir”. O Brasil
para a arquiduquesa era como um parque temático, onde podia observar as
mais diversas espécies de plantas e animais, em grande parte alienígena
à fauna e flora europeias. Ela costuma cavalgar com Pedro e sair a
passeio sempre acompanhada, uma vez que o rei não permitia que fizesse
excursões sozinha, talvez para a privar de determinados fatos que em
muito lhe causariam transtorno, como, por exemplo, o trato que era dado
aos negros escravos, que, com espanto, constatou que eram concebidos
perante aquela sociedade não como pessoas, mas como coisas.
A partir daí, Leopoldina foi percebendo que o quadro que lhe havia sido pintado sobre a família real portuguesa era pura fachada. Segundo observações do período, não tinha uma boa relação com a sogra Carlota Joaquina, a quem condenava o comportamento. O marido logo se mostraria em seus modos grosseiros e impacientes, humilhando-a com seus casos extraconjugais. A terra prometida, tão distante da Viena natal, fazia muito calor e apresentava condições insalubres para uma moradia nos padrões europeus. Todos esses aspectos fizeram com que a arquiduquesa passasse cada vez mais a se definir com alemã, contrastando assim seus modos e etiqueta com os dos habitantes do Brasil. É a historiadora Mary Del Priore quem oferece um quadro comparativo entre os costumes da princesa real com os da corte portuguesa:
“… Os hábitos de Leopoldina aumentavam a distância entre ela e seus súditos. Ela comia com talheres; eles, com as mãos. Ela gostava de ler, eles desconheciam o prazer da leitura. Ela sentava-se em cadeiras, mas as damas, de acordo com o costume oriental, com as pernas cruzadas no chão. Ela era feia, enquanto eles a queriam bonita…” (PRIORE, 2012, pag. 33).
De fato, Leopoldina não era uma grande
beldade e isso provavelmente foi um dos motivos pelos quais seu marido
buscou consolo nos braços de outras. Vestia-se da maneira mais recatada
possível, e sem grandes adornos. Porém, o que lhe faltava em atributos
físicos, lhe sobrava em moral e inteligência. Características que viriam
a se mostrar fundamentais para seu grande papel na independência do
país.
Com a revolução do porto, em 1820, as
cortes de Lisboa exigiam de forma impaciente o regresso do rei e sua
família para Portugal. No ano seguinte, D. João VI não tinha escolha a
não ser retornar à pátria ou correria sérios riscos de perder a coroa. O
filho Pedro ficaria como regente no Brasil, porém, como os
acontecimentos provariam, não era um rapaz cujo conhecimento o tornava
apto para tal tarefa, cabendo, assim, à instruída Leopoldina o desígnio
de aconselhar o cônjuge sempre que sua intervenção fosse necessária. A
futura imperatriz demostrava em suas cartas à irmã Maria Luísa o medo de
que uma revolução liberal também ocorresse no país, dado o caráter de
adesão do marido aos princípios que devastaram a França três décadas
antes, em contraposição ao que denominava como “bons e velhos”
preceitos, ou seja, as bases do regime monárquico. Reforçando, então, a
extrema necessidade do esposo em adotar uma postura mais firme e não
atender aos desejos das cortes de regressar ele também a Lisboa, fica
evidente a participação da princesa na passagem que ficou conhecida como
“o dia do fico”, em nove de janeiro de 1822. Para Leopoldina, a
incorporação dos ideais revolucionários era necessária apenas para
separar o Brasil de Portugal, sem, contudo, anular a soberania da casa
bragantina no reino local.
No entanto, em correspondência ao
secretário Schäffer dizia que “o príncipe está decidido, mas não tanto
quanto eu desejaria. Os ministros vão ser substituídos por filhos do
país que sejam capazes. O governo será administrado de um modo análogo
ao dos Estados Unidos da América do Norte”, e completava, “muito me tem
custado alcançar tudo isto – só desejaria insuflar uma decisão mais
firme” (LEOPOLDINA, 1822, apud KEHLL, 2006, pag. 136). Com a
transferência da sede do império português de volta para Lisboa, a elite
carioca sentia-se economicamente defasada. O Estado, por sua vez
encontrava-se sem recursos para quitar suas dívidas, pois quando de sua
partida, D. João raspara os fundos monetários do Banco do Brasil. Sendo
assim, pode-se notar como o clima do período estava propício a grandes
tensões de cunho político e administrativo. Coube a Leopoldina tomar
nova medida junto ao príncipe regente, ao sugerir a nomeação de José
Bonifácio de Andrada e Silva para o ministério (em janeiro de 1822),
cargo este que o paulista relutou tanto tempo em aceitar. A partir daí,
todas as peças do quebra cabeça da futura independência já estavam
devidamente encaixadas, exceto pelo fato de Pedro ainda continuar a
vacilar.
Apesar de tudo, o primeiro imperador do Brasil ainda sentia-se em obrigação para como pai e o reino de Portugal. Não queria tomar uma atitude que prejudicasse os interesses de D. João VI. Todavia, se continuasse nesse estado de inércia, acabaria perdendo sua soberania no Brasil, que, por sua vez, não queria transformar-se novamente em colônia lusa. Carlos H. Oberacker Jr., autor do maior ensaio biográfico já publicado sobre a vida de D. Leopoldina, diz-nos o seguinte:
“Enquanto D. Pedro se vinha recusando a atender aos patriotas e hesitando mais tarde, procedimento compreensível em virtude de suas inclinações liberais e seus juramentos anteriores de fidelidade às cortes, os patriotas cuidavam de entrar em contato com D. Leopoldina, que já se encontrava do lado deles. Sabiam que seu conselho pesava muito nas decisões do jovem príncipe que, apesar de vacilar como o pai, atendia, ao contrário deste o conselho de pessoas de confiança…” (OBERACKER, 1973, pag. 231).
Sem dúvida, Leopoldina, e futuramente
José Bonifácio, era uma dessas pessoas de confiança. A prova está na
decisão do príncipe de nomeá-la regente, enquanto viajava para São Paulo
em agosto de 1822. A arquiduquesa estava, então, no lugar certo e no
momento certo, quando ela e o ministro Bonifácio conceberam a declaração
de independência, assinada em setembro daquele ano. Em carta ao marido,
ela o incitava a seguir em frente, dizendo “senhor, o pomo já está
maduro, colhe-o já”, pois, nas palavras de José “o dado já está lançado e
de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores”.
Em sete de setembro de 1822, D. Pedro
selaria para sempre o destino do Brasil, ao proclamar, diante de poucos
espectadores, a independência do país. A aclamação de nosso primeiro
imperador ocorreu no campo de Santana, no Rio de Janeiro, e foi
esplendidamente retratada pelos olhos do desenhista da corte,
Jean-Baptiste Debret. Como era fluente em mais de uma língua e
representava os interesses da casa d’Áustria em território nacional, D.
Leopoldina enviou cartas às cortes europeias para reconhecerem a
soberania do estado brasileiro. Porém, tanta luta política, aliado às
desilusões amorosas para com o marido, além das gravidezes sucessivas
(nove no total, cerca de uma por ano), cobraria seu preço. Podemos
perceber em carta a sua irmã Luísa como se encontrava o estado de
espírito da imperatriz no fim de seus anos, quando diz que “nós, pobres
princesas, somos tais quais dados, que se jogam e cuja sorte ou azar
depende do resultado”. Havia mergulhado em profunda melancolia, afogada
em dívidas contraídas para ajudar as famílias que lhe recorriam e
dedicada ao cuidado dos filhos, confiante na infeliz certeza de que
nunca mais retornaria à Europa, e assim o foi.
Fonte:http://rainhastragicas.com/2012/10/22/d-leopoldina-a-mae-do-imperio-brasileiro-parte-ii/
Fonte:http://rainhastragicas.com/2012/10/22/d-leopoldina-a-mae-do-imperio-brasileiro-parte-ii/
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