De Imperatriz do Brasil à viúva Duquesa de Bragança
29
2013
De Imperatriz do Brasil à viúva Duquesa de Bragança
Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Apesar de ter saído de um continente
considerado pelos seus habitantes como cultural e intelectualmente
superior ao Brasil, a jovem Amélia de Leuchtenberg tinha plena
consciência do papel que deveria desempenhar como futura soberana
daquela nação localizada abaixo da linha do Equador. Ela, assim como
tantas outras princesas de diferentes casas dinásticas (inclusive como
aconteceu com a Imperatriz D. Leopoldina), fora enviada para uma terra
distante, para se casar com um homem que dantes só havia conhecido por
pinturas que, como se sabe, realçavam as boas qualidades do retratado e
escondiam os prováveis defeitos físicos. Se por acaso nutria esperanças
de um dia retornar à pátria, essas talvez pudessem ser bem
desanimadoras. Entretanto, Amélia viria para mudar de uma vez por todas a
vida de D. Pedro I e da corte brasileira. Desde que aportara na baia de
Guanabara em 16 de outubro de 1829, fora recepcionada com muito carinho
pelo povo brasileiro e pelo apaixonado marido, além de ser a personagem
central das festas que se seguiram em louvor ao casamento real e à sua
florescente beleza, mencionada por muitas testemunhas do período e
sempre lembrada por seus posteriores biógrafos.
Ao se analisar os retratos da bela Amélia
no tempo de mocidade, poderemos notar um conjunto de características
que formam um quadro agradável aos olhos de quem observa: uma pele
rosada, porte ereto, e um busto avantajado que sustentava o rosto em
formato de coração, com lindos olhos azuis, lábios carmim e bochechas
vermelhas, emoldurados por uma basta cabeleira de tons castanhos. Era
como se fosse uma dessas donzelas dos romances da Era Vitoriana,
virginal e inalcançável em seu recato. Todavia, esse ideal de
passividade seria uma coisa da qual a nova Imperatriz não poderia
contar, uma vez que várias reformas precisavam ser feitas no paço real,
não necessariamente de cunho arquitetônico, mas sim nos costumes de seus
habitantes. Muitos foram os cronistas que reclamaram da falta de
organização na corte do Rio de Janeiro e sem dúvida esse foi um fator
que desagradou àquela jovem acostumada ao luxo e ao requinte do reino da
Baviera. Não obstante, deveria ocupar no coração dos filhos do
imperador o lugar que estava vago desde a morte de D. Leopoldina: o de
mãe.
Sendo assim, seria árdua a tarefa daquela
jovem de somente 17 anos, que, apesar das dificuldades, guiou com
maestria todos os seus deveres. Não só conseguiu instaurar um protocolo
na corte, como também soube cultivar o amor de seus enteados, que
carinhosamente passaram a chamá-la de “querida mamãe”. Foi com horror
que havia constatado que qualquer indivíduo poderia ter acesso ao paço
da Quinta e à figura do Imperador. Destarte, ordenou que para falar à D.
Pedro I, antes se deveria marcar antecipadamente uma audiência. Nas
palavras de Mary Del Priore,
“… Feminina, belíssima e moça, Amélia não só inspirou a Ordem da Rosa, condecoração criada pelo marido em sua homenagem, com a legenda “Amor e Fidelidade”, como consolidou nos trópicos um savoir-vivre característico das cortes europeias – algo que Leopoldina se esquecera de trazer na bagagem, com os livros de botânica e mineralogia” (PRIORE, 2012, pag. 245).
Se empenhara, pois, em disciplinar o
funcionamento do palácio, impondo horários a serem cumpridos com rigor
por seus servos e habitantes, introduzindo também o refinamento dos
serviços e da indumentária, além de impor o francês como língua oficial
da corte.
Aos filhos de D. Pedro, tratara de
administrar o ensino que lhes era dado para garantir que esse fosse o
melhor possível, adequado aos moldes de outras crianças reais da Europa.
Sempre que podia, tentava agradá-los, e fazer de tudo para lhes ser uma
boa mãe. O Imperador, pelo que se sabe em tudo consentia no
comportamento de sua esposa, que para ele era “minha salvadora” e a do
Brasil. Todavia, diferentemente do lema da Ordem da Rosa, Pedro não se
manteve totalmente fiel à sua adorada Amélia, embora seus casos
extraconjugais houvessem diminuído consideravelmente se comparados com
os tempos em que era casado com D. Leopoldina. Em fato, é possível dizer
que a nova Imperatriz tinha mais fibra do que sua antecessora para
controlar o gênio explosivo do marido, sempre que podia. Mas a
popularidade que o novo casamento real traria para o soberano duraria
pouco, pois no coração de seus súditos pairavam dúvidas acerca de suas
verdadeiras intenções para com o Império. E essa, por sua vez, era uma
questão que estava muito longe de ser solucionada por aquela belíssima
princesa bávara.
Por concordar em pagar uma indenização ao
reino de Portugal em troca do reconhecimento da independência do
Brasil, as pessoas achavam que D. Pedro I estaria dividido entre sua
pátria de nascimento e a sua de adoção. Não obstante, a culpa pela morte
da primeira Imperatriz ainda lhe recaia sobre os ombros. Desse modo, o
soberano acreditava que uma viagem deveria ser feita pelas outras
províncias, juntamente com a nova consorte, para que sua reputação fosse
devidamente restaurada, e então partira para Minas, na esperança de lá
ser tão bem recepcionado quanto o fora em 1822. Infeliz engano!
Encontrou entre a população um clima tão hostil, que lá só permaneceu
por dois dias. Ao retornar para o Rio em 11 de março, sua chegada fora
saudada por uma querela entre portugueses, que desejavam uma monarquia
sem parlamento, e os brasileiros, num episódio que ficou conhecido como
“A Noite das Garrafadas”. Não obstante, a deposição do rei Carlos X da
França (primo de Pedro pelo lado Bourbon), naquele ano de 1830, e a
substituição do mesmo pelo burguês Felipe de Orleans, fizeram como que
aqui no Brasil aumentasse a animosidade para com o regime. Estava claro,
então, que não só a vida do Imperador e de sua família corria risco,
como também a da instituição monárquica.
Diante de tais demonstrações de ódio, não
restara a D. Pedro outra opção que não abdicar em favor de seu filho de
cinco anos; e a bela Amélia, que talvez esperasse passar todos os seus
dias seguintes neste solo, se viu mais uma vez a caminho da Europa,
juntamente como a enteada D. Maria da Glória e o esposo, que retornava à
Portugal para reconquistar o trono de sua filha das mãos do irmão. Ao
futuro Pedro II, a ci-devant Imperatriz dirigia as seguintes palavras:
“Meu filho do coração e meu Imperador. Adeus, menino querido, delícia da minha alma, alegria de meus olhos, filho que meu coração tinha adotado! Adeus para sempre! [...] Ah, querido menino, seu eu fosse tua verdadeira mãe, se meu ventre te tivesse concebido, nenhum poder valeria para me separar de ti, nenhuma força te arrancaria dos meus braços! [...] Mas tu, anjo de inocência, e de formosura, não me pertences senão pelo amor que dediquei a teu augusto pai. Adeus pois, para sempre!” (apud GOMES, 2010, pag. 295).
Um fato curioso desta missiva consiste na
forma como a escritora a assina: “Amélia, Duquesa de Bragança”. Esse
título fora conferido a Pedro após sua abdicação do trono brasileiro e
do português.
Tendo permanecido pouco mais de um ano no
Brasil, agora ela não mais seria mais Imperatriz reinante daquelas
terras, nem tampouco rainha de Portugal, mas sim duquesa de Bragança,
título esse que a colocava abaixo apenas de D. Maria II da Glória. A
partida fora marcada para a madrugada do dia sete de Abril de 1831, no
silêncio da noite, para não despertar a curiosidade da população. D.
Pedro deixava para trás com um beijo de despedida seus quatro filhos
(Januária, Paula, Francisca e Pedro), e rumava com a primogênita e a
mulher para a fragata Warspites que os conduziria à Paris. Uma
vez lá, participou de muitos eventos e reuniu-se com generais para
planejar a derrocada de D. Miguel. Não obstante, pode se rejubilar com a
notícia de que sua esposa estava finalmente grávida, permanecendo ao
lado dela até o nascimento da filha, em primeiro de dezembro daquele
ano, batizada de Maria Amélia. Após o ocorrido, o duque de Bragança
dirigiu-se para seu país de origem, enquanto a bela duquesa permanecia
na capital francesa, cuidando da filha e da enteada, e tratando de
conseguir apoio para a causa do marido junto às tropas que um dia
serviram ao seu pai Eugênio, assim como de outras casas monárquicas.
Foram batalhas sangrentas as que se
seguiram entre Pedro e Miguel, porém o duque de Bragança sairia
vitorioso da querela, reencontrando em 1833 suas filhas e consorte. O
que ele não sabia, contudo, é que sua longa carreira de intensas
atividades físicas e militares acabariam por cobrar o seu preço. Tendo
duas costelas fraturadas, e com o coração e o fígado hipertrofiados, D.
Pedro faleceu na tarde de 24 de setembro de 1834 no palácio de Queluz (o
mesmo em que nascera), nos braços de sua esposa. Com tão só 22 anos, a
bela Amélia já era viúva e o único consolo que lhe restara era a
educação da herdeira, a quem ela se dedicou de corpo e alma. Conta-nos
sua biógrafa, Claudia Thomé Witte, que,
“A educação de Maria Amélia era a preocupação fundamental da ex-imperatriz, que não media esforços para que a filha tivesse acesso aos melhores professores portugueses e bávaros. A princesa correspondia às expectativas da mãe e desde cedo se tornou exímia pianista, fluente em português, francês e alemão, chegando a estudar física e se formar no gabinete da Universidade de Munique, aos 19 anos” (WITTE, pag. 45).
Juntas, mãe e filha ainda empreenderiam
inúmeras viagens pelo continente europeu, afim de que a educação da
princesa foi a mais esmerada possível. Mas, infelizmente, a vida
aplicaria outro duro golpe na vida da viúva duquesa de Bragança: em
fevereiro de 1853, com apenas 21 anos, falecia Maria Amélia, na ilha da
Madeira, após ter contraído tuberculose.
A partir de então, os dias seriam nada
felizes para aquela mulher de 40 anos. Guardara um luto fechado tanto
pelo marido quanto pela filha, dedicando-se a obras de caridade como a
criação de um hospital para tuberculosos carentes, na ilha da madeira
(instituição ainda existente). Todavia, mesmo na velhice e na solidão, é
possível dizer que aquela outrora linda jovem Imperatriz ainda
conservava a graça e a postura de seus primeiros tempos, como se pode
observar nas fotografias tiradas da mesma durante esse período. O corpo
embalsamado da duquesa de Bragança, estudado em 2012 pela arqueóloga
Valdirene do Carmo Ambiel, nos mostra que ela padecia de muitas dores,
quando de sua morte em janeiro de 1873, aos 70 anos de idade: sofria de
escoliose, dores de cabeça e no peito. Fora sepultada originalmente no
panteão de São Vicente, junto de seu consorte de da princesa Maria
Amélia, até ser trazida em 1982 para a cripta Imperial, localizada no
interior do Monumento ao Centenário na Independência, no bairro no
Ipiranga (SP). Com efeito, se faz necessário um resgate da memória de
nossa segunda Imperatriz, com o intuído de que ela não fique apenas
conhecida como a esposa mumificada de D. Pedro I, mas sim como a grande
dama que foi; mulher de fibra e maravilhosa desenvoltura, que viveu em
um período conturbado e contribuiu de forma significativa tanto para a
História do Brasil, quanto para a de Portugal.
Notas:
¹Através de uma mecha de cabelo que
provavelmente pertenceu a D. Amélia de Leuchtenberg, e está preservada
em um relicário exposto no salão nobre do Museu Paulista da USP, podemos
constatar a cor loira de seus fios. Sendo assim, é possível concluir
que com o passar dos anos, suas madeixas foram escurecendo ate atingir
tons castanhos, como é possível comprovar em seus retratos e fotografia.
Referências Bibliográficas:
CALMON, Pedro. História de D. Pedro II. – Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975. Vol. I.
GOMES, Laurentino. 1822:
como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por
dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para
dar errado. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
PRIORE, Mary Del. A carne e o sangue: A imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I e Domitila, a marquesa de Santos. – Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
PRIORE, Mary Del. Condessa de Barral. – Rio de janeiro: Objetiva, 2008.
WITTE, Cláudia Thomé. Amélia, a imperatriz de Luto. – Revista História Viva, São Paulo, p. 40-45, abril de 2013.
Fonte: http://rainhastragicas.com/2013/04/29/de-imperatriz-do-brasil-a-viuva-duquesa-de-braganca/
Fonte: http://rainhastragicas.com/2013/04/29/de-imperatriz-do-brasil-a-viuva-duquesa-de-braganca/
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