Afirmação no Brasil cada vez mais negro

Afirmação no Brasil cada vez mais negro Debora Margem* - Da sala de aula Pela primeira vez na história, o negro foi oficialmente declarado majoritário no Brasil no último Censo demográfico: 96,7 milhões de pessoas se declaram negras (pretas ou pardas), contra 91 milhões de brancos, segundo os dados do IBGE. No total, são cerca de 190 milhões de brasileiros. Ou seja, os negros são mais da metade da população, o equivalente a 50,7%. A porcentagem é seguida por 47,7% de brancos, 1,1% de amarelos e 0,4% de indígenas. Os números mostram ainda o crescimento da população negra em relação ao Censo anterior: em 2000, pretos e pardos correspondiam a 44,66%. Levando em conta o fato de a pesquisa do IBGE utilizar o critério de autodeclaração, percebe-se um sentimento crescente de autoestima negra em um período de 20 anos, com os brasileiros assumindo sua identidade étnico-racial. Segundo o advogado Humberto Adami, do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), essa “novidade” já existia; só faltava o reconhecimento pelas autoridades. – O fato é que atualmente o controle social, ou seja, a busca de todos pelos seus direitos, quer sejam individuais ou coletivos, tem sido relevante nas mudanças. Pesquisador da cultura negra brasileira, o jornalista Carlos Nobre acredita que as campanhas de movimentos negros se refletiram nos números do IBGE. – Campanhas como “Não deixe sua cor passar em branco” surtiram efeito antes do Censo, e fizeram principalmente os pardos se declararem negros, quando, antigamente, se diziam brancos – lembra o pesquisador. Elza Fiuza/ABr O crescimento do orgulho negro constatado em estatística é percebido em várias instâncias da sociedade. No Judiciário, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa (foto), é o primeiro negro a conquistar o posto, e o terceiro a integrar o STF. O ministro, que ganhou notoriedade durante o julgamento do mensalão, é visto pela população como um representante do povo. Na política, em 2002, Benedita da Silva assumiu como a primeira governadora negra do Brasil. O compositor Gilberto Gil foi ministro da Cultura em 2003, e Marina da Silva, ministra do Meio Ambiente. O negro também é pauta na TV, em produções como Subúrbia (foto acima), Salve Jorge (abaixo) e Lado a lado. Para Carlos Nobre, o reconhecimento do negro vem do desenvolvimento socioeconômico do país, e do advento de uma nova classe social com poder de compra: – Os negros se tornaram maioria da aclamada classe C, que dispõe de R$ 137 bilhões anualmente. Neste sentido, começam a ser vistos como cidadãos protagonistas, e aos poucos ganham espaço em produções televisivas e eventos. Divulgação TV Globo Políticas afirmativas voltadas à população negra também trouxeram grandes avanços, como a Lei Caó (Lei nº 7437/85), que classifica o racismo como crime inafiançável; a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 10.639/2003), que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na educação básica; a criação, em 2003, da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial; e as cotas adotadas por universidades. Para Nobre, por meio dessas conquistas políticas, o negro começa ser incluído na sociedade: – Houve um aumento importante de presença de negros em universidades públicas e privadas nos últimos 10 anos, principalmente desde 2003, quando começou o debate das cotas. Apesar dos notáveis avanços, Adami ressalta que ainda falta muito para atingir a igualdade de oportunidades: – Desconstruir o racismo é tarefa árdua. A Constituição de 1988 já falava na preservação da cultura de origem africana, e somente em 2003 entrou na educação, com previsão mais acentuada na formação de profissionais a partir de 2009. Nosso grande problema hoje é reconhecer que o racismo ainda permanece, e que desconstruí-lo é dever de todos. O advogado ainda faz um alerta: “Os dados devem ser analisados por recortes específicos. Nesse ponto, ser majoritário não é interpretado como ser valorizado. As respostas às demandas não tem sido a contento”. Embora sejam a maioria declarada da população e haja o movimento de valorização dos negros, do ponto de vista econômico ainda há um abismo de desigualdade no mercado de trabalho. Reprodução/IBGE O documento do IBGE de Características Gerais da População, Religião e Pessoas com Deficiência, divulgadas em 2012, confirma a ressalva de Adami. Apesar de ser maioria no Brasil, a população negra ainda sofre com a desigualdade racial. O Censo apontou que, entre os estudantes de 15 a 24 anos que têm acesso nível superior, 31,1% são brancos e 26,2% são pretos e pardos. A diferença salarial também se caracteriza como um grande problema. Segundo o levantamento, a realidade é acentuada na Região Sudeste, onde os rendimentos recebidos por brancos correspondem ao dobro dos pagos aos negros. A menor diferença é observada na Região Sul, onde a população branca ganha 70% mais que aquela que se autodeclarou negra. Para Carlos Nobre, os números apurados pelo IBGE revelam uma situação clássica que demonstra a perversidade do racismo: – Por ser visto como inferior, o trabalhador negro nunca tem rendimentos iguais aos do branco. Este fato, historicamente, tem causado miséria, pobreza e ignorância na comunidade negra que não encontra recursos suficientes para a manutenção das famílias. A pobreza, em geral, no Brasil, é agravada pelo fato de sermos uma nação racista e ocultar esse fato. Reprodução No Brasil, o processo de conscientização negra, que teve como marco inicial a Lei Áurea (1888), veio se desenvolvendo de tal forma a produzir questionamentos a serem julgados no STF, como o da adoção do livro Caçadas de Pedrinho (foto), de Monteiro Lobato, nas escolas da rede pública, por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), por conter menções supostamente depreciativas aos personagens negros como Tia Anastácia. O Instituto de Advocacia Racial (Iara) é contra o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), que liberou distribuição da publicação nos colégios. Em 2010, o CNE chegou a determinar que Caçadas de Pedrinho não fosse mais adotado, mas voltou atrás depois de o MEC pedir ao conselho que reconsiderasse a decisão. O CNE indicou, então, que as novas edições da obra apresentassem uma nota técnica que instruísse o professor a explicar o livro no contexto histórico em que foi escrito. A posição do governo é contrária à censura ou suspensão do livro. Até agora não houve consenso. Mas até que ponto é legítimo proibir as escolas públicas de adotar um livro infantil escrito por Monteiro Lobato em 1933, tendo como justificativa o racismo? Adami explica que não está em discussão a censura, e sim a aquisição, com recursos públicos, de obras que reproduzam estereótipos: – A discussão somente chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em função do não cumprimento da legislação. O livro foi escrito num período em que as políticas públicas no campo da educação eram do tipo eugênica (Constituição Federal de 1934), portanto adequado à época. Mas atualmente, em função da criminalização do racismo, fere os princípios que norteiam a administração pública. Carlos Nobre concorda com a ação do Iara: – Monteiro Lobato tem uma obra comprovadamente racista, segundo diversos estudiosos. As revisões de conteúdo dos livros didáticos iriam acontecer, como estão acontecendo, devido à maior qualificação dos negros organizados. A nação está assustada porque um dos seus maiores escritores tem cunho racista. Várias gerações não leram Monteiro Lobato com as lentes que o movimento negro faz, e este, por isso, consegue localizar o racismo. O Iara, desde o ano de 2003, vem atuando por meio de parcerias no enfretamento ao racismo, destacando-se como o instituto que mais vezes esteve perante o STF. Entre as ações já conquistadas pelo Iara está o caso envolvendo música do cantor Tiririca e ações civis públicas no Estado do Rio que versam sobre o descumprimento da Lei n.10.639/2003. As conquistas são celebradas, embora pontuais e individuais, sendo necessárias ainda muitas outras em caráter geral, com equidade para todos. * Reportagem produzida para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, da professora Carla Rodrigues. + País Cidadão-repórter, o novo porta-voz da informação Demissões em massa abalam mercado brasileiro de comunicação Internet pode aproximar sociedade e política 'Partidos de mentira' traduzem crise representativa Segmentação e análise: legados de Civita Fonte:

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