"Boa Morte"
Boa Morte em festa
Associação religiosa formada só por mulheres negras celebra sua padroeira com missas, procissões, samba de roda e muita comida
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Juliana Barreto Farias
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Cobertas de jóias douradas e com seus tradicionais panos da Costa, mais de vinte senhoras negras percorrem as ruas da pequena Cachoeira, no Recôncavo Baiano, para celebrar a Assunção de Nossa Senhora da Glória. Acompanhadas de perto por muitos moradores e turistas, terminam o cortejo oferecendo uma feijoada e caindo num animado samba de roda. É o lance final dos festejos que movimentam a cidade neste mês de agosto. Entre os dias 14 e 16, as mulheres da Irmandade da Boa Morte rememoram a morte, o velório e a ascensão da Virgem Maria com missas, procissões, ceias, música e dança.
Tradição oriental que se espalhou pelo mundo católico, a festa ganhou novos contornos ao desembarcar deste lado do Atlântico. Na Bahia, incorporou muitos elementos da religiosidade afro-brasileira. Durante as comemorações em Cachoeira, a 110 quilômetros de Salvador, as irmãs usam saias rendadas e turbantes brancos, guias, balangandãs, colares de contas, e na sexta-feira, dedicada a Oxalá, não podem comer carne e dendê. “Nesse primeiro dia, durante a missa, elas saem com a santa e a roupa de candomblé. No final, ficam em volta da imagem. Considero esse momento emocionante como o maior simbolismo de sincretismo, do ponto de vista prático”, diz o fotógrafo Adenor Gondim, que desde a década de 1980 participa de projetos e pesquisas sobre a Boa Morte.
Ninguém sabe ao certo quando a irmandade se instalou na cidade. Muitos acreditam que foi por volta de 1820, com um grupo que saiu da Igreja da Barroquinha, em Salvador. O historiador cachoeirano Luiz Cláudio Nascimento diz que a organização teria sido fundada na famosa “Casa da Estrela”, que reunia mulheres negras vendedoras de doces, bolos e artigos usados em rituais africanos. Essas primeiras integrantes eram chamadas de “negras do partido-alto”, ex-escravas que prosperaram com suas atividades comerciais e ocupavam posições elevadas na hierarquia dos terreiros de candomblé locais. O primeiro objetivo delas era arrecadar fundos para resgatar sacerdotisas do cativeiro e fundar um candomblé, o que acabou acontecendo por volta de 1860. Mesmo sem ser oficializada (com compromisso aprovado pela Igreja Católica), a entidade exclusivamente feminina promovia, desde aquela época, a festa anual de sua padroeira, com desfile público, banquete para as filiadas e rituais reservados.
E até hoje é formada só por mulheres negras, quase todas com mais de 50 anos. “Todas são do candomblé. Tem gente de Maragogipe, de Cachoeira, São Félix. Muitas mães de santo, que convivem muito bem ali. O que é de prática do terreiro de cada uma é de cada uma”, diz Adenor Gondim. Para ingressar na confraria, a “noviça” passa por uma iniciação de três anos e é conhecida como “irmã da bolsa”. Depois que sua vocação é testada, ela pode ocupar algum cargo de diretoria, e a cada três anos subir na hierarquia da associação. Como lembra Gustavo Falcon, professor da UFBA e pesquisador do Centro de Estudos Afro-Orientais, mesmo com as diferenças e os preceitos relativos a cada posição, todas as irmãs são consideradas empregadas de Nossa Senhora. E dividem as atividades: cozinha, coleta de fundos, organização das ceias cerimoniais, procissões do cortejo e funerais das companheiras.
Embora a irmandade seja muito destacada em guias turísticos e outras publicações durante o período de festejos, sua história continua desconhecida para muita gente. Até mesmo para os moradores de Cachoeira. “A cidade mantém uma relação distante com a irmandade, apesar de ser muito beneficiada com a festa. Tem preconceito envolvido aí. Ela não tem o apoio devido, mesmo sendo reconhecida na diáspora africana como algo único. Se ainda permanece, é por conta de suas irmãs e de algumas pessoas isoladas”, acredita Adenor. Quem sabe agora, que virou patrimônio imaterial da Bahia, a Boa Morte continue viva para além do mês de agosto.
Juliana Barreto Farias
Cobertas de jóias douradas e com seus tradicionais panos da Costa, mais de vinte senhoras negras percorrem as ruas da pequena Cachoeira, no Recôncavo Baiano, para celebrar a Assunção de Nossa Senhora da Glória. Acompanhadas de perto por muitos moradores e turistas, terminam o cortejo oferecendo uma feijoada e caindo num animado samba de roda. É o lance final dos festejos que movimentam a cidade neste mês de agosto. Entre os dias 14 e 16, as mulheres da Irmandade da Boa Morte rememoram a morte, o velório e a ascensão da Virgem Maria com missas, procissões, ceias, música e dança.
Tradição oriental que se espalhou pelo mundo católico, a festa ganhou novos contornos ao desembarcar deste lado do Atlântico. Na Bahia, incorporou muitos elementos da religiosidade afro-brasileira. Durante as comemorações em Cachoeira, a 110 quilômetros de Salvador, as irmãs usam saias rendadas e turbantes brancos, guias, balangandãs, colares de contas, e na sexta-feira, dedicada a Oxalá, não podem comer carne e dendê. “Nesse primeiro dia, durante a missa, elas saem com a santa e a roupa de candomblé. No final, ficam em volta da imagem. Considero esse momento emocionante como o maior simbolismo de sincretismo, do ponto de vista prático”, diz o fotógrafo Adenor Gondim, que desde a década de 1980 participa de projetos e pesquisas sobre a Boa Morte.
Ninguém sabe ao certo quando a irmandade se instalou na cidade. Muitos acreditam que foi por volta de 1820, com um grupo que saiu da Igreja da Barroquinha, em Salvador. O historiador cachoeirano Luiz Cláudio Nascimento diz que a organização teria sido fundada na famosa “Casa da Estrela”, que reunia mulheres negras vendedoras de doces, bolos e artigos usados em rituais africanos. Essas primeiras integrantes eram chamadas de “negras do partido-alto”, ex-escravas que prosperaram com suas atividades comerciais e ocupavam posições elevadas na hierarquia dos terreiros de candomblé locais. O primeiro objetivo delas era arrecadar fundos para resgatar sacerdotisas do cativeiro e fundar um candomblé, o que acabou acontecendo por volta de 1860. Mesmo sem ser oficializada (com compromisso aprovado pela Igreja Católica), a entidade exclusivamente feminina promovia, desde aquela época, a festa anual de sua padroeira, com desfile público, banquete para as filiadas e rituais reservados.
E até hoje é formada só por mulheres negras, quase todas com mais de 50 anos. “Todas são do candomblé. Tem gente de Maragogipe, de Cachoeira, São Félix. Muitas mães de santo, que convivem muito bem ali. O que é de prática do terreiro de cada uma é de cada uma”, diz Adenor Gondim. Para ingressar na confraria, a “noviça” passa por uma iniciação de três anos e é conhecida como “irmã da bolsa”. Depois que sua vocação é testada, ela pode ocupar algum cargo de diretoria, e a cada três anos subir na hierarquia da associação. Como lembra Gustavo Falcon, professor da UFBA e pesquisador do Centro de Estudos Afro-Orientais, mesmo com as diferenças e os preceitos relativos a cada posição, todas as irmãs são consideradas empregadas de Nossa Senhora. E dividem as atividades: cozinha, coleta de fundos, organização das ceias cerimoniais, procissões do cortejo e funerais das companheiras.
Embora a irmandade seja muito destacada em guias turísticos e outras publicações durante o período de festejos, sua história continua desconhecida para muita gente. Até mesmo para os moradores de Cachoeira. “A cidade mantém uma relação distante com a irmandade, apesar de ser muito beneficiada com a festa. Tem preconceito envolvido aí. Ela não tem o apoio devido, mesmo sendo reconhecida na diáspora africana como algo único. Se ainda permanece, é por conta de suas irmãs e de algumas pessoas isoladas”, acredita Adenor. Quem sabe agora, que virou patrimônio imaterial da Bahia, a Boa Morte continue viva para além do mês de agosto.
Tradição oriental que se espalhou pelo mundo católico, a festa ganhou novos contornos ao desembarcar deste lado do Atlântico. Na Bahia, incorporou muitos elementos da religiosidade afro-brasileira. Durante as comemorações em Cachoeira, a 110 quilômetros de Salvador, as irmãs usam saias rendadas e turbantes brancos, guias, balangandãs, colares de contas, e na sexta-feira, dedicada a Oxalá, não podem comer carne e dendê. “Nesse primeiro dia, durante a missa, elas saem com a santa e a roupa de candomblé. No final, ficam em volta da imagem. Considero esse momento emocionante como o maior simbolismo de sincretismo, do ponto de vista prático”, diz o fotógrafo Adenor Gondim, que desde a década de 1980 participa de projetos e pesquisas sobre a Boa Morte.
Ninguém sabe ao certo quando a irmandade se instalou na cidade. Muitos acreditam que foi por volta de 1820, com um grupo que saiu da Igreja da Barroquinha, em Salvador. O historiador cachoeirano Luiz Cláudio Nascimento diz que a organização teria sido fundada na famosa “Casa da Estrela”, que reunia mulheres negras vendedoras de doces, bolos e artigos usados em rituais africanos. Essas primeiras integrantes eram chamadas de “negras do partido-alto”, ex-escravas que prosperaram com suas atividades comerciais e ocupavam posições elevadas na hierarquia dos terreiros de candomblé locais. O primeiro objetivo delas era arrecadar fundos para resgatar sacerdotisas do cativeiro e fundar um candomblé, o que acabou acontecendo por volta de 1860. Mesmo sem ser oficializada (com compromisso aprovado pela Igreja Católica), a entidade exclusivamente feminina promovia, desde aquela época, a festa anual de sua padroeira, com desfile público, banquete para as filiadas e rituais reservados.
E até hoje é formada só por mulheres negras, quase todas com mais de 50 anos. “Todas são do candomblé. Tem gente de Maragogipe, de Cachoeira, São Félix. Muitas mães de santo, que convivem muito bem ali. O que é de prática do terreiro de cada uma é de cada uma”, diz Adenor Gondim. Para ingressar na confraria, a “noviça” passa por uma iniciação de três anos e é conhecida como “irmã da bolsa”. Depois que sua vocação é testada, ela pode ocupar algum cargo de diretoria, e a cada três anos subir na hierarquia da associação. Como lembra Gustavo Falcon, professor da UFBA e pesquisador do Centro de Estudos Afro-Orientais, mesmo com as diferenças e os preceitos relativos a cada posição, todas as irmãs são consideradas empregadas de Nossa Senhora. E dividem as atividades: cozinha, coleta de fundos, organização das ceias cerimoniais, procissões do cortejo e funerais das companheiras.
Embora a irmandade seja muito destacada em guias turísticos e outras publicações durante o período de festejos, sua história continua desconhecida para muita gente. Até mesmo para os moradores de Cachoeira. “A cidade mantém uma relação distante com a irmandade, apesar de ser muito beneficiada com a festa. Tem preconceito envolvido aí. Ela não tem o apoio devido, mesmo sendo reconhecida na diáspora africana como algo único. Se ainda permanece, é por conta de suas irmãs e de algumas pessoas isoladas”, acredita Adenor. Quem sabe agora, que virou patrimônio imaterial da Bahia, a Boa Morte continue viva para além do mês de agosto.
Festa da Boa Morte
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Decreto Estadual 12.227/2010
Manifestação característica da religiosidade popular que acontece todos os anos na cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano. A festividade se inicia no dia 13 de agosto, dia dedicado às irmãs falecidas. Nestes dias as irmãs vestem-se de branco, saem em procissão carregando a imagem postada sobre um andor rumo a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. No dia 14, com a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, as irmãs saem da sede da Irmandade em procissão noturna, carregando velas, entoando cânticos proferidos durante o percurso fazendo menção à dormição de Nossa Senhora. O dia 15 de agosto é dedicado a Nossa Senhora da Glória. A procissão sai pela manhã da sede da Irmandade, seguida pelas filarmônicas locais. Levam flores, carregam o andor de Nossa Senhora da Glória até a Igreja Matriz, onde uma missa é celebrada, e quando acontece a transferência dos cargos, com posse da nova comissão de festa. A festa de prolonga até o dia 17, com muito samba de roda e uma farta ceia durante os cinco dias de festa.
Recôncavo
Cachoeira
De 13 a 17 de Agosto
O culto a Nossa Senhora foi difundida por todo o mundo ocidental, desde o século IX, através da expansão católica. De forte tradição portuguesa, as festividades dedicadas a santa remonta às realizadas e louvor a Nossa Senhora D’Agosto. Nos trópicos sofreu influência do catolicismo afro-brasileiro. Em Salvador a devoção a Nossa Senhora da Boa Morte é registrada desde o séc. XIX, exclusivamente feminina, localizada na Igreja da Barroquinha. Uma devoção de mulheres negras. A oralidade tende a afirmar que a transferência dessa Irmandade para a cidade de Cachoeira se deu por volta de 1820. Lá, se instalou numa casa de nº 41, chamada de Casa Estrela, local ainda hoje reverenciado pelas irmãs durante o trajeto da procissão. As irmãs revelam que a devoção surgiu vinculada a um pedido pelo fim da escravidão feito pelas africanas a Nossa Senhora da Boa Morte.
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Decreto Estadual 12.227/2010
Manifestação característica da religiosidade popular que acontece todos os anos na cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano. A festividade se inicia no dia 13 de agosto, dia dedicado às irmãs falecidas. Nestes dias as irmãs vestem-se de branco, saem em procissão carregando a imagem postada sobre um andor rumo a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. No dia 14, com a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, as irmãs saem da sede da Irmandade em procissão noturna, carregando velas, entoando cânticos proferidos durante o percurso fazendo menção à dormição de Nossa Senhora. O dia 15 de agosto é dedicado a Nossa Senhora da Glória. A procissão sai pela manhã da sede da Irmandade, seguida pelas filarmônicas locais. Levam flores, carregam o andor de Nossa Senhora da Glória até a Igreja Matriz, onde uma missa é celebrada, e quando acontece a transferência dos cargos, com posse da nova comissão de festa. A festa de prolonga até o dia 17, com muito samba de roda e uma farta ceia durante os cinco dias de festa.
Recôncavo
Cachoeira
De 13 a 17 de Agosto
O culto a Nossa Senhora foi difundida por todo o mundo ocidental, desde o século IX, através da expansão católica. De forte tradição portuguesa, as festividades dedicadas a santa remonta às realizadas e louvor a Nossa Senhora D’Agosto. Nos trópicos sofreu influência do catolicismo afro-brasileiro. Em Salvador a devoção a Nossa Senhora da Boa Morte é registrada desde o séc. XIX, exclusivamente feminina, localizada na Igreja da Barroquinha. Uma devoção de mulheres negras. A oralidade tende a afirmar que a transferência dessa Irmandade para a cidade de Cachoeira se deu por volta de 1820. Lá, se instalou numa casa de nº 41, chamada de Casa Estrela, local ainda hoje reverenciado pelas irmãs durante o trajeto da procissão. As irmãs revelam que a devoção surgiu vinculada a um pedido pelo fim da escravidão feito pelas africanas a Nossa Senhora da Boa Morte.
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