"Pobre não pode ser elegante"

Carmen Mayrink Veiga

"Pobre não pode ser elegante"
A socialite diz que elegância custa caro e afirma não ter nada mais brega do que entrar em fila para comprar uma bolsa de grife
Eliane Lobato

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“Com o que eu tenho posso viver 400 anos
sem jamais comprar uma coisinha”
, diz ela
Paulista de Pirajuí, Carmen Mayrink Veiga tornou-se “a papisa da elegância bra­sileira” – como é chamada – após casar-se com o empresário multimilionário Tony May­rink Veiga na década de 1950. Com uma vida de princesa, conviveu com nobres como a rainha Eliza­beth e Lady Di, foi pintada em quadro por Di Cavalcanti e Andy Warhol e des­filou seus 400 vestidos assinados por estilistas como Yves Saint Laurent, Valentino e Azzaro nas mais seletivas mansões do mundo. Moradora de um amplo apartamento com vista para o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, e perto de completar 80 anos (dizer a idade é “jeca”, segundo ela), Carmen assegura que passar pela desagradável experiência de ter de leiloar bens para pagar dívidas e ver o patrimônio en­colher é apenas um capítulo da vida, e não é o mais importante. “O mais importante é ter saúde”, diz ela, que há anos sofre de uma doença neurológica não definida.
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"A moda, hoje, está para as índias.
Cavalli (foto) não tem uma única roupa que
você possa usar para almoçar
num lugar chique. Eu jamais teria no armário”
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“No dia da posse, Dilma estava muito, muito bem.
Bem-vestida para andar em qualquer parte do mundo"
 
Istoé - A sra. está sempre bem ar­rumada com os cabelos longos pretos e...
Carmen Mayrink Veiga -
Eu sou loura. 
Istoé - Como assim?
Carmen Mayrink Veiga -
Nasci loura, a família inteira do meu pai, italianos de Milão, tem olhos verdes e cabelos louros. Tenho olhos marrons, mas sou loura. 
Istoé - Depois é que seu cabelo escureceu?
Carmen Mayrink Veiga -
Escureceu nada. Pinto desde os 11 ou 12 anos. 
Istoé - O que a sra., referência em elegância, acha da moda atual?
Carmen Mayrink Veiga -
Depois de ver as últimas coleções internacionais, cheguei à conclusão de que a melhor coisa é mudar para a Amazônia e escolher a tribo que ande mais enfeitada com penas, franjas, etc., porque a moda, hoje, está para as índias. Por exemplo, o (Roberto) Cavalli não tem uma única roupa que você possa usar para almoçar num lugar chique. Aliás, é um tipo de roupa que eu jamais teria no meu armário uma única peça. A tendência não é mais moda, é fantasia. Na coleção do Marc Jacobs, praticamente tudo é para você entrar numa escola de samba. Tudo muito absurdamente feio e de mau gosto. 
Istoé - Onde a sra. se veste?
Carmen Mayrink Veiga -
Na minha vida inteira, sempre gostei de roupa atemporal. Durante 40 anos me vesti na alta-costura do (Yves) Saint Laurent e do Givenchy, esporadicamente também do Valentino. Há 35 anos sou cliente do Guilherme Guimarães. Provei a primeira vez que ele fez roupa para mim e nunca mais. Desde então, ele me faz roupas por telefone, por fax. 
Istoé - A sra. permanece com as mesmas medidas?
Carmen Mayrink Veiga -
Sim. Não engordo nem emagreço, fico entre 60 e 62 quilos. Meu corpo sempre foi proporcional, graças a Deus. Porque detesto essa estética de mulheres famélicas que você vê nas passarelas e teme que quebre. Mulher tem que ter peito, cintura fina, cadeira, bumbum arrebitado. 
Istoé - O que acha pior na moda?
Carmen Mayrink Veiga -
O “tomara-que-caia” é uma temeridade. Como alguém pode comprar uma roupa cujo nome já avisa que o destino é cair? Ainda mais hoje, em que predominam seios gigantescos de silicone, as mulheres se equilibram no peito. E têm que se equilibrar, também, numa sola de sapato de três ou quatro centímetros e salto de 15 centímetros. É uma tragédia. Vira uma mulher de circo porque tem de ser equilibrista. 
Istoé - Moda tem a ver com idade?
Carmen Mayrink Veiga -
Não acho. Se você tem physique du rôle pode usar minissaia, por exemplo, em qualquer idade. O parâmetro é o espelho e o bom-senso. A mulher brasileira tem muita facilidade de ficar cadeiruda e engordar, mas adora roupa apertada. Principalmente, adora uma peça chamada legging, outro horror. Quando combinado com os sapatos de hoje, que parecem ortopédicos ou da época das arenas de Roma, em que andavam em bigas, não pode ser mais feio. 
Istoé - A sra. também erra?
Carmen Mayrink Veiga -
Eu erro muito. E, sabendo disso, procuro todos os dias tentar aprender alguma coisa. Leio muito porque acho que os livros são fontes de saber. Gosto de ler na língua original, não gosto de livro traduzido. Minha primeira língua é o italiano, depois português. Falo também espanhol, francês e inglês. Não sou melhor que ninguém, mas sempre busquei estar informada. E não tem nada que eu goste mais, atualmente, do que ler. 
Istoé - O homem pode ser elegante e sexy?
Carmen Mayrink Veiga -
Todo homem sexy, não sei se você já reparou, é milionário. Pobre não é sexy. Pode rebolar o máximo que quiser, mas não são sexy. É o maior fingimento dizer que são. 
Istoé - A sra. já pagou muitos dólares por vestidos, bolsas. Repetiria hoje?
Carmen Mayrink Veiga -
Olha, como hoje eu não poderia comprar alta-costura, quem ler essa entrevista pode falar: “Olha só o que essa macaca está dizendo, não pode mais comprar, então diz que não.” Antes de tudo, vale lembrar que a alta-costura praticamente acabou. No Brasil, além do Guilherme Guimarães, o único outro costureiro que gosto é o Lino Villaventura. Pouco tempo atrás, ele fez uma roupa para mim. A única coisa que pedi é que fosse vermelho. Ele me passou por fax três croquis e dez dias depois recebi o vestido mais bonito que vi nos últimos tempos. O Lino é alta-costura brasileira, não copia ninguém, usa rendas e bordados brasileiros. Todas as outras lojas do Rio ou de São Paulo são prêt-à-porter. Alta-costura só existe uma, a que você entra, toma medidas, escolhe o que tem na coleção e encomenda. 
Istoé - Mas acontece de mulheres em festas da alta-sociedade estarem vestidas iguais, não é?
Carmen Mayrink Veiga -
São todos vestidos originais, tudo bem. A tragédia é pôr um vestido de alta-costura e encontrar cópias, isso é um horror. A pessoa arranca uma página da revista, vai na costureirinha da esquina e manda fazer igual. E não é pobre que faz isso porque pobre não pode ser elegante. É brincadeira dizer que ser elegante é barato. Não é. Mas quem tem dinheiro também pode ser ridículo. O que é isso de toda semana lançarem uma Louis Vuitton ou uma Chanel e todo mundo ir correndo fazer fila na porta para comprar? Acho absolutamente ridículo. Não tem nada mais brega do que entrar em fila para comprar uma bolsa Louis Vuitton ou Chanel. 
Istoé - Se a elegância tem a ver com poder aquisitivo, a classe média pode ser elegante?
Carmen Mayrink Veiga -
Desde que ela não siga moda, pode. A mulher deve se pôr nua na frente do espelho e ver como é o corpo dela, se é cadeiruda, se é peituda. Hoje até pode resolver muita coisa com plástica, silicone, botox – sou contra tudo isso. Mas ela deve respeitar o seu tipo físico. E não pode seguir moda, seja bilionário, rico, classe média ou pobre. Não pode, por exemplo, usar essas botas ridículas que estão na moda e não combinam com esse calor de Senegal que a gente vive no Brasil. Andar de bota é uma palhaçada. 
Istoé - E o homem tem de andar de terno nesse calor?
Carmen Mayrink Veiga -
Acho que o homem é obrigado a pôr terno, gravata e camisa linda em todos os jantares chiques em que as mulheres vão bem vestidas. Mas as coisas estão mudando muito. Outro dia, falei de casaca e meu neto que mora há 14 anos em Londres, perguntou: “Vovó, o que é casaca?” Só faltei matar. Neto meu não saber o que é casaca! 
Istoé - A presidente Dilma é elegante?
Carmen Mayrink Veiga -
 No dia em que conheci a Dilma (no ano passado, em um almoço na casa de Lily Marinho para apoiar a então candidata petista) me encantei com ela. Uma senhora ainda moça, com maquiagem muito discreta, sem bossas complicadas, usava um tailleur tipo Chanel, ótima. No dia de sua posse, ela estava muito, muito bem: um tubinho pelo joelho, com casaquinho em espécie de rendona bem brasileira. Estava bem-vestida para andar em qualquer parte do mundo.
Istoé - Se fosse dar um conselho para a presidente, qual seria?
Carmen Mayrink Veiga -
Diria para andar o mais que puder de terninho porque é a roupa mais elegante que tem e ninguém erra com ele. Tenho uns 12 do Yves Saint Laurent, me sinto tão bem com essas roupas! Na dúvida, põe um terno e tudo dá certo. 
Istoé - O que é adequado para nosso clima tropical e a gente não dá valor?
Carmen Mayrink Veiga -
Bolsa de palha. Tem coisa mais bonita para o verão? Quem usa muito bolsa de palha no verão é quem sabe das coisas, quem tem tudo, quem se garante. Não está preocupada com o que Maria ou Maricota vão achar. Quem está por fora pode ter a bolsa mais linda do mundo, caríssima, de palha, mas não usa porque não acha que é chique. 
Istoé - Quantas bolsas a sra. tem?
Carmen Mayrink Veiga -
Não sei. Outro dia, mandei umas 50 para uma feiririnha beneficente que uma amiga faz. Não sei quantas tenho ainda. Mas deveria ter poucas, não preciso de muitas, vou fazer cada vez mais isso, reduzir e doar o que não preciso mais. 
Istoé - Perder poder aquisitivo é doloroso?
Carmen Mayrink Veiga -
Sinceramente, a partir dos anos 1980 o mundo começou a mudar.Sair com muitas joias, usar muita alta-costura, tudo isso começou a cair. Onde vou usar tanta roupa chique hoje? A santa da minha devoção é Terezinha, que ensina a se desapegar dos bens terrenos. Nunca fui apegada a nada. Eu adorava receber, nunca chamei decorador para fazer as flores, tenho as toalhas e porcelanas mais lindas do mundo. Essa é a mudança que mais sinto, não ter saúde para receber mais, não é a questão financeira, porque com o que tenho posso viver 400 anos sem jamais comprar uma coisinha. O que mudou a minha vida foi a minha doença, que ninguém sabe o que é e não tem cura. 
Istoé - Não tem diagnóstico?
Carmen Mayrink Veiga -
Tenho uma doença neurológica sem definição, já consultei os melhores médicos do mundo, quer dizer, os que valem a pena, nos Estados Unidos, na Inglaterra e Espanha – França e Itália não valem a pena no meu caso – e nunca ninguém descobriu o que eu tenho, mas não tem cura. E só piora. 
Istoé - A sra. resistiu a fazer plástica no nariz?
Carmen Mayrink Veiga -
Nunca quis mexer nele nem em nada. Acho ótimo meu nariz. Desde que tenho 16 anos, tudo o que é médico vem perguntar: “Você não quer fazer o nariz?” Todas as minhas amigas fizeram. Quando o (fotógrafo) Mário Testino falou comigo pela primeira vez, ele disse: “Você é um deslumbramento, a primeira mulher que vejo no Brasil que não tem narizinho feito, você tem superpersonalidade.” Hoje todos seguem o mesmo padrão. Qual o valor disso? Você vê na Rede Globo as atrizes e não consegue saber o nome porque são todas iguais.

Fonte: http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/128044_POBRE+NAO+PODE+SER+ELEGANTE+

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