Opinião: Fotógrafo francês registrou mais de 400 bailes e mostra o funk como você nunca viu; leia entrevista
Vincent Rosenblatt comentou a pacificação das favelas e a sensualidade do funk carioca
Amado ou odiado, o funk é uma fenômeno no Brasil. E foi um fotógrafo francês que retratou o movimento como ninguém havia feito antes na série fotográfica “Rio Baile Funk! Favela Rap (2005- 2014)”.
Vincent Rosenblatt, 41, vive no Brasil há 12 anos e e registrou mais de 400 bailes – 400 noites varadas em quase 100 localidades diferentes (veja todas as fotos no seu site oficial).
A redação do Catraca Livre conversou com Vincent sobre como surgiu o interesse pela cultura funk carioca, sua opinião sobre a pacificação das favelas e a questão da sensualidade em suas fotos.
Confira entrevista com o fotógrafo:
Catraca Livre: Como surgiu o interesse pelo funk?
Vincent Rosenblatt: Surgiu progressivamente. Quando dava aula para jovens fotógrafos do Santa Marta e eu já passava perto do baile.
Eu morava em Santa Tereza e dava para ouvir os graves do baixo e as letras dos funks do baile do Santa Amaro.
Eram proibidões muito fortes, seja por questões sexuais ou de guerreiros do tráfico. E me parecia uma verdade muito crua sobre o que estava acontecendo na cidade.
Depois, comprei um CD do Mr. Catra com funks conscientes, chamado O Fiel. Isso foi pro volta de 2005.
Era um verdadeiro guia de sobrevivência do trânsito entre a favela e o asfalto que vale até hoje.
Abre Aspas
“A verdadeira face da pacificação foi transformar as favelas em dormitórios, onde o povo não tem mais o direito de ouvir suas músicas e fazer suas festas”Já faz nove anos que comecei a fotografar bailes e não parei. São mais de 400 noites viradas em bailes, além de fotografias do estilo de vida dos funkeiros e da cultura funk no geral.
CL: Como a pacificação das favelas transformou o funk carioca?
V.R.: Vejo como uma oportunidade perdida do Estado em relação à cultura local e a política cultural da favela.
Eles não precisam de ninguém porque os moradores são especialistas em produção cultural. Eles pensam na economia, independente do tráfico, existe uma cadeia econômica cultural.
A verdadeira face da pacificação foi transformar as favelas em dormitórios, onde o povo não tem mais o direito de ouvir suas músicas e fazer suas festas. O que custava colocar alguns poucos policiais e deixar o baile rolar?
A política cultural ficou na mão da segurança pública e, ao invés de ajudar a juventude em sua plenitude, em ajudar a interagir a cultura da favela com a do asfalto (muita gente vinha curtir o baile), transformou a favela em reserva de mão de obra precarizada.
Muitos DJs, MCs e famílias ligadas ao funk passaram a viver no sufoco após a proibição de bailes.
Abre Aspas
“O funk é um indício da verdadeira face da pacificação que é o controle social e cultural. O cúmulo do absurdo é você ir em uma boate de Ipanema ou Copacabana e tocar o som dos funks proibidos nas favelas”Como fotógrafo, tive que ir para confins da zona norte e da zona oeste para continuar retratando a cena funk.
O funk é um indício da verdadeira face da pacificação que é o controle social e cultural. O cúmulo do absurdo é você ir em uma boate de Ipanema ou Copacabana e tocar o som dos funks. Na favela, onde tudo nasceu, a juventude vive em silêncio total e precarização econômica – um verdadeiro apartheid cultural.
CL: A sensualidade é presente nas suas fotos. Como você enxerga essa questão dentro do funk carioca?
V.R: Eu já fui tímido e a fotografia cura. Eu gosto de ir num corpo a corpo fotográfico com os funkeiros e isso tudo não deixa de ser um simulacro. Não rola sexo, não rola mesmo. Se rolar é depois e em outro lugar. Nunca consegui um flagrante.
Abre Aspas
“Escutando funk você sente o pulso da sociedade e as relações entre gêneros, classes e raças”Ele trabalha na ponta do espectro da liberdade de expressão. Está sempre no limite, seja do guerreiro do tráfico, seja no funk política ou no pornográfico.
Acredito que isso tem a ver com a função da fotografia, que deve ampliar o espectro do “domínio do visível” . O que temos direito de fotografar, o que tornamos tema digno de registro e interesse?
Escutando funk você sente o pulso da sociedade e as relações entre gêneros, classes e raças.
Visite o site oficial de Vincent Rosenblatt e conheça também o seu projeto anterior Olhares do Morro.(2002-2008).
https://catracalivre.com.br/geral/design-urbanidade/indicacao/fotografo-frances-registrou-mais-de-400-bailes-e-mostra-o-funk-como-voce-nunca-viu-leia-entrevista/
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