Revolução de 1932 teve presença maciça de negros

 
Passados 82 anos do movimento de resistência à ditadura militar, completados no último dia 9, artigo relembra detalhes do conflito e revela que 1/3 dos soldados das forças constitucionalistas eram negros. “Não existe história, luta por liberdade e justiça neste país que não tenha a participação efetiva dos negros brasileiros”, diz o texto
Favela 247 – A participação de negros no movimento de resistência à ditadura (MMDC, em referência à morte dos estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo em confronto com a polícia) foi esmiuçada em artigo publicado pela revista Raça e republicada pelo portal Geledés Instituto da Mulher Negra. Com o início do conflito entre o Estado de São Paulo e as forças federais comandadas por Getúlio Vargas, em 9 de julho de 1932, o exército constitucionalista era formado por praticamente 1/3 de soldados negros, há poucas décadas libertos da escravidão. Apesar de pouco ter se falado da Legião Negra depois da Revolução de 1932, o texto foca o lado positivo da história: “quando pensamos que perdemos a guerra, estamos perdendo apenas uma batalha, porque todo o movimento foi fundamental para a redemocratização do Brasil. A outra lição é que não existe história, luta por liberdade e justiça neste país que não tenha a participação efetiva dos negros brasileiros”.
Por André Rezende, para a Revista Raça (republicado pelo Portal Geledés)
A Legião Negra: Os Negros na Revolução Constitucionalista de 1932
Em 3 de outubro de 1930, Getúlio Vargas chega ao poder por meio de um golpe de Estado. Junto ao movimento tenentista, o “presidente” se mostra autoritário, caça adversários políticos e fecha instituições democráticas, instalando uma espécie de ditadura no Brasil. Para São Paulo, Vargas indicou o nordestino João Alberto para o cargo de governador. As elites paulistas não aceitaram a situação e passaram a defender a democratização do País. A pressão foi tanta que, João Alberto e mais três interventores nomeados por Vargas para “comandar” São Paulo foram derrubados.
Aos poucos, a luta que começou nas elites paulistas ganhou a adesão de toda a população.
Em 25 de janeiro de 1932, um enorme comício juntou todas as forças da sociedade (até adversários políticos), afirmando que São Paulo iria até as últimas consequências pela democratização do Brasil. Em 23 de maio, uma greve mobilizou mais de 200 mil pessoas, que saíram às ruas para protestar. No conflito com policiais ligados à ditadura, quatro jovens estudantes foram mortos: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo.
Começava ali o movimento paulista de resistência à ditadura: o MMDC, que passou a alistar populares – de todas as profissões e classes sociais – para a Guerra Civil. Em 9 de julho de 1932, o Estado mais rico da Nação entra em conflito contra as forças federais comandadas por Getúlio Vargas. Todos são chamados para auxiliar, até as mulheres. E não seria diferente com os negros…
1 – Em pouco tempo é formada uma comissão beneficente para arrecadar apoio material e humano entre a comunidade negra paulista. Surge a Legião Negra, que teve papel relevante na Revolução de 1932. O peso político do negro era grande, tanto que o próprio interventor de São Paulo, Pedro de Toledo, foi pessoalmente até a sede da Frente Brasileira Negra (a maior e mais respeitada entidade negra da época), pedir o apoio dos negros para a guerra. Porém, vários integrantes eram vanguardistas e operários (classe amplamente defendida por Vargas). Por isso, muitos negros não aderiram ao movimento constitucionalista.
2 – Sem o apoio integral da Frente Brasileira Negra, a presença de negros na revolução foi marcante e a Legião Negra (conhecida como os Pérolas Negras), escreveriam para sempre sua passagem em nossa história. É válido destacar que seu fundador e defensor, Joaquim Guaraná de Santana, era inicialmente da Frente Negra Brasileira e rompeu com esta quando não conseguiu apoio absoluto dos companheiros para a Legião Negra. Guaraná fundou então um partido, o PRN (só de negros) e um jornal, o Brasil Novo, em que se autoproclamava como a maior liderança negra do Brasil, mas antes mesmo do fim da guerra ele foi afastado da Legião Negra e substituído pelo advogado negro José Bento
3 – As principais frentes de combate da Legião Negra na guerra eram: Frente Leste (na divisa com o Rio de Janeiro); Frente Norte (divisa com Minas Gerais); Frente Oeste (divisa com Mato Grosso) e a Frente Sul (divisa com Paraná). Mas a participação dos negros na Revolução Constitucionalista não se fez apenas na Legião Negra, que contava com cerca de 2 mil homens. Havia outros negros – mais de 10 mil – espalhados por toda a força paulista. Vale lembrar que um dos principais comandantes da revolução era negro. Seu nome? Palimercio de Rezende.
4 – Mesmo com os paulistas bastante confiantes, a diferença de forças era brutal. São Paulo tinha cerca de 30 mil homens, enquanto as força federais contavam com o dobro desse contingente, além de ser melhor equipada, contando com aviões e todo o arsenal de guerra do Brasil. Com o conflito, a cidade de São Paulo se modificou. Hospitais e fábricas aumentaram a jornada de trabalho, as aulas nas escolas foram suspensas e o transporte prejudicado. A iluminação elétrica (em fase de instauração) ficou comprometida nos bairros mais distantes, causando transtornos para a população, principalmente aos pobres e negros da periferia.
5 – Após quase 3 meses de luta, as forças constitucionalistas começaram a enfraquecer. O número de mortos e feridos na guerra crescia e o isolamento de São Paulo era total. Sem o apoio dos mineiros e dos gaúchos (que também apoiavam uma nova Constituição, mas não lutavam ao lado de São Paulo), a rendição – assinada em 1º de outubro de 1932 – foi inevitável. Os principais líderes da revolução tiveram seus direitos políticos cassados e foram deportados para Portugal. Valdomiro Lima, gaúcho e tio de Darcy Vargas (mulher de Getúlio) foi nomeado interventor militar em São Paulo e permaneceu no cargo até 1933. Mas a guerra não foi em vão, porque, tempos depois, São Paulo conseguiu muitas vitórias no campo político e econômico.
6 – Como em muitos episódios marcantes que fizeram a história do Brasil, os negros ficaram esquecidos, pois quase nada se falou da Legião Negra depois da Revolução de 1932 e de praticamente 1/3 dos soldados constitucionalistas negros que, há poucas décadas, haviam saído da escravidão. Do conflito, ficaram várias lições: quando pensamos que perdemos a guerra, estamos perdendo apenas uma batalha, porque todo o movimento foi fundamental para a redemocratização do Brasil. A outra lição é que não existe história, luta por liberdade e justiça neste país que não tenha a participação efetiva dos negros brasileiros.
Fonte: Brasil 247

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