A mídia e a exploração sexual da mulher.


Musa não joga, não torce e não apita

Em plena Copa do Mundo, são muitos os portais de notícias que criam concursos, matérias e galerias de imagens com o fim de selecionar mulheres consideradas “musas” das torcidas. Essa é uma prática recorrente, que não se limita aos campeonato da FIFA; pelo contrário, é comum que torcedoras que se encaixam nos padrões de beleza sejam “peneiradas” na multidão e exibidas para a apreciação masculina
Por Jarid Arraes, do Portal Fórum
Em plena Copa do Mundo, são muitos os portais de notícias que criam concursos, matérias e galerias de imagens com o fim de selecionar mulheres consideradas “musas” das torcidas. Essa é uma prática recorrente, que não se limita aos campeonato da FIFA; pelo contrário, é comum que torcedoras que se encaixam nos padrões de beleza sejam “peneiradas” na multidão e exibidas para a apreciação masculina. Isso acontece com absolutamente qualquer mulher vagamente envolvida com os jogos, incluindo as parceiras dos jogadores, suas irmãs e até com suas mães. Por esses dias, duas jornalistas foram beijadas sem permissão por homens que se aproximaram enquanto ambas apresentavam reportagens. Não é preciso muito esforço pra perceber que a cultura que elege “belas” para cada time ou torcida retrata muito bem os valores machistas da sociedade.
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Para o futebol, as mulheres não são consideradas participantes legítimas. Elas não torcem, não apitam, não jogam e nem fazem reportagens – elas só enfeitam ou, na melhor das hipóteses, estão ali para acompanhar o parceiro. Um exemplo inegável desse quadro machista do futebol gira em torno da Seleção Feminina do Brasil: no último dia 16, as mulheres que jogam futebol pela seleção brasileira jogaram um amistoso com a Nova Zelândia em preparação para a Copa América que acontecerá em setembro, no Equador. Na Copa América Feminina 2014, o Brasil está no Grupo B, com Chile, Argentina, Bolívia e Paraguai. Mas quantas pessoas estão sabendo disso? É dada tanta importância às nossas jogadoras que chamamos nosso time de futebol masculino de “seleção brasileira”, enquanto o time de futebol feminino é a “seleção feminina”, como se tratasse de um mero spin-off do esporte oficial.

Em todas as páginas principais dos portais de notícia do Brasil, ou mesmo nas páginas dedicadas exclusivamente aos esportes, não há nenhum destaque que mencione as mulheres da Seleção de Futebol. Por outro lado, em todos os sites há matérias e chamadas para a admiração da mais nova musa, com fotos em close nas bundas, peitos e curvas de muitas moças posando de biquíni. E o ato de ignorar a existência das jogadoras parece ser extremamente generalizado, já que é repetido em todos os portais de notícias ou de esportes, independente de vínculo ou inclinação política: os próprios sites de esquerda que falam de esporte também caem no erro de esquecer as mulheres.

É essencial lembrar que o futebol, assim como qualquer esporte, não é uma atividade masculina. Mulher também joga futebol, entende as regras, conhece as técnicas e tem vontade de ser árbitra; mulher também chora e se emociona torcendo por seu time, e se empolga quando consegue uma camisa autografada por seu jogador favorito; mulher também assiste, fotografa ou até mesmo narra as partidas e pode ser jornalista dedicada ao ramo. Para cada jogador milionário da seleção brasileira, há uma jogadora profissional que treina, sua e se esforça tanto quanto, ainda que seu salário não alcance nem os rastros dos mais anônimos dos jogadores. Pode-se dizer até mesmo que essas mulheres se dedicam muito mais, pois é preciso ter muita paixão pelo esporte para continuar no ramo lidando diariamente com desprezo e misoginia.

Não é nenhum exagero sentir indignação diante de tanta exploração sexual da imagem feminina que existe no futebol. Com essas atitudes, as mulheres são excluídas e não levadas a sério. Apontar a objetificação naturalizada do gênero feminino e se opor a ela é o primeiro passo para que as mulheres sejam verdadeiramente valorizadas em todas as áreas do futebol e de todas as outras modalidades esportivas. Afinal, a musa serve de inspiração, mas não cria a obra.
Foto de capa: Grupo de mulheres que concorrem, no Portal R7, ao prêmio de musa da Copa do Mundo (Crédito: Divulgação)

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