O "Estado sem o Estado e a barbaria."

Especialistas são unânimes: falta de presença do Estado incita 'justiceiros'

Jornal do BrasilGisele Motta*A justiça feita com as próprias mãos acabou em injustiça. A dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi linchada no Guarujá, litoral paulista, após ter sido confundida com uma acusada de sequestrar crianças, cujo retrato falado foi publicado numa página sobre a região em uma rede social. Para especialistas, a ausência de poder público acaba gerando um descrédito nas instituições. A insegurança e falta de confiança geram um estado onde as pessoas estariam mais propensas a fazer justiça com as próprias mãos, já que não encontram resposta do sistema formal.
Para Cesar Barreira, do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade do Ceará, a falta de presença do Estado, legítimo para lidar com julgamento de criminosos, leva a uma situação explosiva. "A não confiança na segurança pública é muito grande. Neste ato fica muito claro um vazio da justiça e é como se essas pessoas estivessem ocupando o lugar do Estado. O Estado tem que se antecipar a essas situações. Ele é o único responsável pela nossa segurança", afirmou.
Especialistas: falta de presença do Estado incita 'justiceiros'
Especialistas: falta de presença do Estado incita 'justiceiros'
Segundo ele, historicamente, os casos de linchamento de criminosos, que envolve a tortura e não só a morte, têm uma ideia de assepsia social. "Essas pessoas acham que podem decidir quem deve e quem não deve morrer, se colocam como a justiça. Na questão do linchamento entra o dado dos rituais de sacrifício. Não pode ser um ato de chegar e matar com uma bala, tem que ter um ritual de limpeza, de purificação. De purificação de algo que é maldoso", explica.

Para Francisco Carlos Teixeira, historiador, cientista político e professor de relações internacionais da UFRJ, os linchadores são mais um sintoma da falha na segurança pública. "No Rio de Janeiro, os justiceiros são jovens de classe média, onde o policiamento é precário. Se toma a fala deles como sendo absoluta: eles que se dizem justiceiros. Mas eles são criminosos. E o estado é responsável por eles", critica.

Para ele, uma das grandes questões que influenciaram no aumento da insegurança é o policiamento ostensivo através das UPPS, que deixou outras regiões desassistidas.
Para Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz, além do descrédito no sistema de justiça formal existe um cansaço em tentar resolver as questões através desse sistema e o crescente uso da violência para resolver problemas. "Temos uma cultura onde cada vez mais se resolve seus conflitos de forma violenta. Sejam pequenos conflitos em escola, como em conflitos como esse. Ainda que você não acreditasse no sistema de justiça, poderia resolver de outra forma".

Para ela, a mídia também tem seu papel na questão: "Temos uma cobertura midiática que também joga muita luz nos crimes bárbaros, que contribui para a sensação de insegurança. Há formas de fazer isso, e a maneira como a mídia brasileira faz acaba valorizando a violência, acaba aumentando o sentimento de insegurança". Renzo Taddei,  antropólogo e professor de antropologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), corrobora a questão: "Me parece que o discurso que fomenta o ódio, de gente com muita visibilidade pública, como a Rachel Sheherazade ou o Bolsonaro são também responsáveis por esse tipo de evento infeliz, mesmo que as responsabilidades sejam diferentes em sua natureza", completa.

Segundo Renzo, ainda é muito difícil para os estudiosos entender porque as pessoas agem dessa forma. Os principais conceitos das ciências sociais baseiam-se nas atitudes de indivíduos obedecendo regras sociais, o que foge da psicologia das ações grupais, como é o caso dos linchamentos."É como se uma multidão fosse um contexto em que as pessoas estão em uma forma de estado alterado de consciência e, principalmente, emoções", explica.
*Do programa de estágio do Jornal do Brasil

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