Copa do Mundo, torneio de homens?
Marília Moschkovich
Por Marília Moschovich, na coluna Mulher Alternativa
Então é Natal; quer dizer, Copa. Então é Copa. Um evento internacional que faz girar toda uma economia própria como um trator sobre os direitos humanos — nada mais normal no capitalismo, devo dizer. Além de todas as questões frequentemente apontadas por setores críticos à realização da Copa do Mundo da FIFA no Brasil em meio a protestos diversos nas ruas de cidades-sede dos jogos, um outro aspecto parece estar sendo curiosamente ignorado: a Copa tem gênero.
Não é preciso muito esforço para perceber que o gênero da Copa — apesar da palavra no
Muitos dos
Onde estarão as mulheres, então, na Copa do Mundo de 2014?
Provavelmente as veremos eleitas “musas” de torcidas quando brancas, magras e com corpos dentro de certo padrão; talvez as vejamos “mães” em homenagens de artilheiros que acabam de se tornar pais ou que se posicionam como filhos; mas o grosso delas, mesmo, pobres e negras, estará a serviço da máquina que faz funcionar o evento. Veremos mulheres vendendo
Não veremos as mulheres que ficarão em casa com as crianças enquanto os maridos jogam futebol, assistem futebol, comentam futebol. Não veremos as mulheres trancadas na cozinha fazendo a pipoca para a família inteira, nem veremos as mulheres lavando louças enquanto o resto da casa sai às ruas para comemorar vitória com vuvuzelas de todos os tamanhos e cores. Não veremos as mulheres que trabalham nas empresas patrocinadoras ganhando 70% do salário de seus colegas homens. Nem veremos as que deixaram de ser promovidas porque desejavam um dia ter filhos. Não veremos as meninas oferecidas como
Que pano esconde
Enquanto sociedade, quando construímos as percepções sobre o que significa “ser homem”, “ser mulher” e, junto a isso, o que consideramos como “masculinidade” e “feminilidade”, aos poucos nos colocamos em formas. Construídos nessas formas, também enquanto sujeitos nos identificamos com suas linhas gerais — mesmo quando as questionamos, ou quando procuramos romper com elas. Faz parte de nós essa espécie de enquadramento em identidades masculinas e femininas, em identidades como homens ou mulheres (ainda que não sejam essas duas as únicas possíveis em relação ao gênero).
Isso quer dizer que, quando associamos o futebol à masculinidade, reforçamos que os homens sigam gostando de futebol e que as mulheres sigam não gostando; também invisibilizamos as mulheres que rompem com a regra e, sim, gostam de futebol. Ao mesmo tempo, desqualificamos as mulheres que procuram se inserir nesse meio (como foi feito com a bandeirinha Fernanda Colombo há alguns dias), apelando para sua feminilidade ou para sua suposta falta de feminilidade conforme nos convém.
Mais do que reconhecer a existência das mulheres na estrutura geral da Copa do Mundo, é preciso desconstruir a associação imediata do futebol com a masculinidade. Essa associação — tão forte — é o que exclui, segrega e marginaliza as mulheres que, aos milhares, farão a Copa do Mundo acontecer.
http://outraspalavras.net/destaques/copa-torneio-de-homens/
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