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A misteriosa desaparição do subcomandante Marcos

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Zapatista anuncia que seu personagem “foi uma máscara” e deixou de ser necessário. Resta dúvida: ele sairá de cena? Ou se converterá em Subcomandante Galeano?
Por Isaín Manjuano | Tradução: Inês Castilho
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Leia Mais: a íntegra (em castelhano) do comunicado de Marcos, lida ontem, em La Realidad (Chiapas). Ou uma seleção dos trechos-chave, preparada pela jornalista Marta Molina.
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Meu imaginário militante foi forjado pelo personagem Marcos. Seu autor (não importa quem ele seja) construiu conscientemente um arquétipo muito poderoso quando vestiu um passa-montanha e afirmou: a história nãoacabou, nem nunca acabará. Da Selva Lancadona, no México, emitia seus comunicados, belíssimos textos de inestimável valor político e estético, que nós, ainda adolescentes, sorvíamos por meio das traduções do Emílio Genari. O nosso guerrilheiro ideal era um escritor que fazia uso da nascente internet para chegar a corações e mentes do mundo todo. E era também o SUP, porque o comando sempre esteve nas mãos do povo, dos indígenas de Chiapas. Um líder/plataforma, por meio do qual a linguagem de um agrupamento político se expressava nos termos exigidos por nosso ocidentalismo. E agora Marcos já não existe…já não é mais necessário, como sua carta final anuncia. Persistirá como linguagem e como afeto, o que talvez seja tudo o que tenha sido (Rodrigo Savazoni, em sua página no Facebook).
O subcomandante insurgente Marcos anunciou esta madrugada (25.05) numa coletiva de imprensa que a partir de hoje deixa de existir como tal entre as filas do Exército Zapatista de Liberação Nacional (EXLN), para dar passagem a sua nova identidade e personagem, o subcomandante insurgente Galeano. E, brincando, disse do personagem anterior: “Foi uma máscara”.
“Pensamos ser necessário que um de nós morra para que Galeano viva. E para satisfazer a morte, essa impertinente, em lugar de Galeano colocamos outro nome para que Galeano viva e a morte leve, não uma vida, mas apenas um nome, umas letras esvaziadas de todo sentido, sem história própria, sem vida. Assim decidimos que Marcos deixe de existir hoje”, disse o Subcomandante Marcos diante dos representantes da mídia livre que o ouviam na coletiva.
Por um momento ficaram confusos, mas logo entenderam, mais uma vez, a metáfora das declarações do porta-voz e líder político militar do EZLN, quando ele disse, ao iniciar sua declaração: “estas serão minhas últimas palavras em público, antes de deixar de existir”.
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Com o olho direito coberto por um tapa-olho de pirata negro com uma caveira, o até então subcomandante Marcos reconheceu que seu personagem anterior deixou de ser um porta-voz do EZLN para dedicar-se a “confundir”.
“Se me permitem definir o personagem Marcos, diria sem vacilar que foi uma máscara. Na construção e manutenção do personagem, cometemos alguns erros. ‘É dos humanos ferrar, disse o ferrador’“, emendou Marcosi.
“Entre a luz e a sombra”, como se denomina o comunicado que leu na madrugada deste domingo, Marcos disse que ao longo desses 20 anos de luta “teve início uma manobra de distração complexa, um truque de magia terrível e maravilhoso, uma maliciosa jogada do coração indígena que somos, a sabedoria indígena desafiando a modernidade num de seus bastiões: os meios de comunicação”.
Explicou então que nesses 20 anos construiu o personagem denominado “Marcos”, porém “o sistema inteiro, especialmente seus meios de comunicação, entretêm-se construindo famas para logo depois destruí-las, quando não se submetem a seus desígnios.”
E que, no caso do subcomandante Marcos, “de porta-voz passou a ser um distraidor”.
Ressaltou que “Marcos tinha um dia olhos azuis, outro dia verdes, ou castanhos, ou cor de mel, ou negros, tudo dependendo de quem fazia a entrevista e tirava a foto. Foi reserva em time de futebol profissional, empregado em loja de departamentos, motorista, filósofo, cineasta, e todos os etecéteras que puderem encontrar na mídia empresarial nesses calendários e em geografias”.
“Havia um Marcos para cada ocasião, quer dizer, para cada entrevista. E não foi fácil, acreditem, na época não havia Wikipedia, e se eram espanhóis tinham de investigar, por exemplo, se o corte Inglês era de um traje da Inglaterra, de um supermercado ou de uma loja de departamento”, ironizou.
E emendou: “Se me permitem definir Marcos, o personagem, diria sem vacilar que foi uma máscara. Na construção e manutenção do personagem cometemos alguns erros. ‘É humano ferrar, diz o ferreiro’”.
Disse que durante o primeiro ano de 1994 esgotou, como se diz, o repertório de “Marcos” possíveis. Assim que no início de 1995 estava em apuros, e o processo dos povos, em seus primeiros passos.
E que quando já não sabiam o que fazer com Marcos, foi Ernesto Zedillo quem, em fevereiro de 1995, com o Partido de Ação Nacional (PAN) da mão, “descobriu” Marcos com o mesmo métodos científico com que se encontram ossadas – quer dizer, por delação esotérica.
“A história do tampiquenho nos deu fôlego, ainda que a fraude posterior da Paca de Lozano nos tenha levado a temer que a mídia paga questionasse também o “desmascaramento” de Marcos, e descobrisse que era uma fraude a mais. Felizmente não foi assim. Como esta, a mídia continuou engolindo outras rodas do moinho semelhantes”, disse o agora Subcomandante Insurgente Galeano.
“Revelou” que após a alegada descoberta de Zedillo, em 9 de fevereiro de 1995, um tampiquenho, sem mencionar o nome de Rafael Sebastian Guillén, chegou na Selva Lacandona e nela buscou refúgio. Que não quis se mostrar para os meios de comunicação, mas quem quiser pode vê-lo nas fotos do funeral de seus pais, acompanhado de perto tanto pelos meios de comunicação como pelos serviços de inteligência.
“Ah, não quer que saibam onde vive. Não diremos mais nada para que, se assim desejar um dia, ele possa contar a história que viveu desde 9 de fevereiro de 1995”, falou.
“De nossa parte, só nos resta agradecer-lhe por nos ter dado informações que, de quando em quando, usamos para alimentar a ‘certeza’ de que o Sub Marcos não é o que ele realmente é, ou seja, uma máscara ou um holograma, mas um professor universitário, originário do hoje doloroso Tamaulipas”, disse ele.
Disse que depois de várias iniciativas e movimentos, durante esses 20 anos, surgiram as Escolinhas Zapatistas com seu curso “A Liberdade segundo @s zapatistas”, e foi a partir delas que se deram conta da existência de uma geração que podia encará-los de frente, que podia escutá-los e falar-lhes “sem esperar orientação ou liderança, nem pretender submissão ou acompanhamento”,
“Marcos, o personagem, já não era necessário”, sentenciou.
O que buscam agora, explicou, e aquilo por que lutam, não se esgota em encontrar os assassinos de Galeano e cuidar que recebam castigo.
“Nós nos perguntamos, não o que fazemos com sua morte, mas o que devemos fazer com sua vida. Desculpem se entro no terreno pantanoso dos lugares comuns, mas esse companheiro não merecia morrer, não assim. Todo o seu empenho, seu sacrifício cotidiano, pontual, invisível para quem não fosse nós mesmos, foi pela vida”, completou.
“Já nos disse o companheiro-chefe e porta-voz da EZLN, o Subcomandante Insurgente Moisés, que ao assassinar Galeano, ou qualquer dos zapatistas, os de cima queriam assassinar o EZLN. Não como exército, mas como rebelde insensato que constrói e levanta vida onde eles, os de cima, desejam o deserto das empresas mineradoras, petrolíferas, turísticas, a morte da terra e de quem nela trabalha e habita”, disse ele em sua última declaração como Sub Marcos.
E que o tributo desta noite não foi para enterrar Galeano, mas que o Comando Geral do Exército Zapatista de Liberação Nacional veio para desenterrá-lo.
“Pensamos ser necessário que um de nós morra para que Galeano viva. E para que a morte, essa impertinente, se satisfaça, no lugar de Galeano colocamos outro nome, para que Galeano viva e a morte carregue não uma vida, mas um nome, apenas, umas letras esvaziadas de todo sentido, sem história própria, sem vida. Assim decidimos que Marcos deixe de existir hoje”, explicou.
Assim sendo, às duas e oito minutos da manhã de 25 de maio de 2014, na frente de combate Sul Oriental do EZLN, declarou que deixou de existir o Subcomandante Insurgente Marcos, o autodenominado “subcomandante de aço inoxidável”: “Meu nome é Galeano, subcomandante insurgente Galeano. Alguém mais se chama Galeano?”
iNo original, uma paródia do dito popular “Errar é humano” com as palavras homófonas “errar” e “herrar” (NT).

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