PT nunca nos enganou, diz filha de Luiz Carlos Prestes
Anita Leocádia
Prestes nasceu em 27 de novembro de 1936 na prisão de mulheres de
Barnim-strasse, em Berlim, na Alemanha nazista de Adolf Hitler. Filha
dos revolucionários comunistas Luiz Carlos Prestes e Olga Benário
Prestes, a historiadora foi vítima de duas ditaduras: a do Estado Novo,
instaurada por Getulio Vargas em 1937, e a do regime nazista. No Brasil,
foi a decisão do então ditador Getulio Vargas, até então simpático ao
fascismo do italiano Benito Mussolini, de entregar Olga, grávida de
Anita, ao regime nazista. Com pouco mais de um ano, Anita foi entregue
pelos alemães à avó, Leocádia Prestes. Quatro anos depois, Olga Benário
era assassinada pelo regime de Hitler, responsável pelo assassinato de
milhões de judeus, negros, ciganos, comunistas e tantos outros grupos.
Em conversa com o Jornal do Comércio
por telefone, Anita Prestes, residente no Rio de Janeiro, falou da
falta de representatividade de partidos que se autodenominam de
esquerda, dos governos do PT, dos protestos de junho e da ditadura
Vargas. Anita Prestes é historiadora, professora de História na UFRJ e
preside o Instituto Luiz Carlos Prestes. Em 2013, lançou o livro “Luiz
Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário (1958-1990)”. O
título faz uma análise sobre o PCB após o Stanilismo, a partir de 1956,
bem como o protagonismo de Luiz Carlos Prestes nesse processo de
identidade do “partidão”.
Recentemente, de forma
simbólica, o Senado Federal promoveu uma homenagem para restituir o
mandato do pai, Luiz Carlos Prestes (1898-1990). “É um absurdo, depois
de tantos anos. É mais uma autopromoção desses políticos”, critica
Anita. Luiz Carlos Prestes, uma das maiores lideranças comunistas do
século XX, foi eleito senador em 1945. Com a cassação do registro do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1948, Prestes e companheiros como
Carlos Marighela, João Amazonas e Jorge Amado perderam os mandatos.
Antes, a partir de 1924, Prestes coordenou uma coluna de militares que
combatiam a República Velha e seus efeitos nefastos, como miséria e
opressão ao povo de regiões remotas do País. Foram percorridos 25 mil
quilômetros, entre o Brasil e Bolívia.
Jornal
do Comércio – O ex-presidente Getulio Vargas é endeusado como o “pai
dos pobres”. No entanto, a ditadura Vargas (1937-1945) foi tão
sanguinária quanto o regime de 1964, guardados os dois contextos
históricos. A ditadura Vargas, inclusive, era simpática à Itália
fascista. Que leitura histórica a senhora faz desse líder político?
Anita Prestes
- Getulio era um político esperto e habilidoso. Era um político que
surfava na onda. Meu pai e os comunistas nunca apertaram a mão dele ou
estiveram com ele quando ele decidiu, em 1942, apoiar os países aliados
que combatiam os países do Eixo. Apenas apoiaram a decisão dele, porque
achavam que o nazifascismo tinha que ser derrotado.
JC – Como a senhora vê o papel de Getulio Vargas no assassinato da sua mãe, Olga Benário?
Anita
– Foi Getulio quem entregou minha mãe aos nazistas. Ele foi o
responsável direto pelo assassinato dela, pois sabia que a cabeça dela
estava a prêmio na Alemanha. Ele era uma figura controversa. O meu pai
só não foi torturado (durante a ditadura Vargas) porque era uma figura
conhecida mundialmente. A prisão, a extradição e o assassinato da minha
mãe foi uma vingança a Prestes praticada por Getulio, já que Prestes não
se alinhou às oligarquias durante a revolução de 30.
JC – Que papel teve a Coluna Prestes (1924) para influenciar outros movimentos revolucionários em prol dos oprimidos pelo mundo?
Anita
- Não sei dizer em que a Coluna Prestes influenciou movimentos
socialistas no mundo. Mas meu pai sempre foi referência para o mundo.
Dizem que a marcha de Mao Tsé-Tung (1936) teve inspiração na Coluna
Prestes. Mas foi em um outro contexto, aquele movimento pretendia apenas
ocupar um determinado território.
JC
– Como vê o papel de Cuba na vanguarda revolucionária e de resistência
às sanções impostas, há mais de 50 anos, pelos norte-americanos e
aliados?
Anita
- Estive em Cuba há dois anos. É uma sociedade igualitária. É um
absurdo falarem de ditadura. Lá não existe nem rico, nem pobre e nem
miserável. Todos estão no mesmo nível social. Não há mendigo nas ruas, e
o povo cubano é muito entusiasmado. Agora, os próprios cubanos sabem
que cometeram alguns erros e estão tentando consertar. Mas o grande
problema são os embargos (econômicos dos EUA) ao governo socialista
cubano. Lá, por exemplo, tem eleições democráticas e o povo vai às
urnas.
JC – A criação do Partido dos Trabalhadores, na década de 1980, chegou com a esperança de ruptura, o que acabou não acontecendo.
Anita
- Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, PT) nunca me enganou, nem a mim, nem
ao meu pai. O PT nunca nos enganou, pois é um partido comprometido com a
burguesia. O Lula não quis estudar, e se deixou levar pelos
intelectuais burgueses. Os próprios governos Lula estiveram
comprometidos com os setores dominantes, governando para a burguesia,
garantindo os interesses do grande capital internacionalizado. Não houve
ruptura. Na verdade, foi a continuidade do governo neoliberal de
Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O governo da presidente Dilma
(Rousseff, PT) é a mesma coisa em um cenário econômico menos favorecido
do que no período de Lula.
JC – E a representatividade da esquerda no Brasil?
Anita
- É muito difícil falar em esquerda no Brasil. É muito cedo para
identificar quem se denomina de esquerda e quem realmente o é. A prática
é que vai revelar quem realmente é esquerda.
JC
– Os protestos de junho, no Brasil, mostraram que é possível chegar a
uma ruptura com o sistema estabelecido através das massas?
Anita
- É importante quando o povo descontente sai às ruas para protestar por
direitos. Mas, como foi de uma forma desorganizada, os resultados
práticos acabaram sendo limitados. Os protestos de junho mostraram que o
povo precisa de organização para mudar a situação atual.
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