Opinião: Mulher negra não é fantasia de carnaval
"Black face" é ferramenta de opressão e não desculpa pra folia. Respeitem nossa humanidade. Por Djamila Ribeiro
por Djamila Ribeiro
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publicado
02/02/2015
Em épocas de
carnaval é muito comum ver pessoas se “fantasiando” de negra, pintando o
rosto de preto, colocando peruca afro, passando batom vermelho de forma
esdrúxula com a intenção de aumentar os lábios.
Para entender o quão ofensivo isso é, se
faz necessário entender o contexto e a história do black face. De acordo
com o site “History of Black face”, o black face começou quando homens
brancos se caracterizavam de homens negros escravos ou livres durante a
era dos shows dos menestréis (1830-1890) e essas caricaturas tornaram-se
fixas no imaginário americano reforçando estereótipos. Comediantes
faziam sucesso apresentando, para um público formado por aristocratas
brancos, personagens estereotipados de pessoas negras com o intuito de
ridicularizá-las. Além de pintar o rosto de preto, esses comediantes
pintavam exageradamente a boca de vermelho para chegarem numa
“representação ideal” do que eles julgavam ser o negro. Depois, essa
prática ganhou espaço no cinema no início do século XX. Como exemplo,
temos o filme O nascimento de uma nação de Griffith. O primeiro filme falado da história, O cantor de jazz,
de 1927, também se utilizou dessa “técnica”, o ator Al Johnson para
interpretar um jovem cantor negro de jazz pintou seu rosto de preto.
Como nos ensina Charô Nunes no texto Black face, Yes we can,
o black face serve tanto como estereótipo racista e como forma de
exclusão. Se no primeiro caso, ridiculariza, no segundo, não dá
oportunidades para atores, atrizes, modelos negros e negras, por que se
há artistas negros, por que raios uma pessoa precisaria se pintar de
negro para isso? E eu acrescentaria: o que a mídia brasileira faz, de
modo geral, é um “avanço” disso. Para papéis bem específicos, até se
contratam atores negros, mas para reforçar estereótipos e estigmas. A
mulher negra ainda é a gostosa do samba ou a empregada e o homem negro o
malandro e ladrão.
Logo, se pintar de negro não tem graça
alguma, é ofensivo. Essas pessoas esquecem também que assim como pessoas
de outras etnias, somos altas, baixas, gordas, magras, umas com lábios
grossos, outras com finos, somos diversas assim como qualquer ser
humano. Há algum tempo, a comediante Kefera Buchman gravou um vídeo
chamado “Tá liberado, é carnaval” onde aparece pintada de preto, com uma
peruca black power dançando de forma ridícula e caricata. Ou seja, se
utilizando da versão brasileira do black face, “a nega maluca”. Nesse
vídeo, a humorista ultrapassa todos os limites do bom senso e do
respeito ao retratar mulheres negras de forma tão ultrajante. Nunca vi
uma mulher negra se comportar do modo como ela fez.
Eu já escrevi sobre o humor aqui nesse espaço
e repito: o humor não está isento, carrega também a ideologia racista.
Isso é engraçado para quem, Kefera? Está faltando criatividade para ser
engraçada, então você precisa rechaçar mulheres negras? Não precisamos e
não queremos este tipo de “homenagem”. Quer nos homenagear? Tenha
consciência do racismo do país em que vive e lute para combatê-lo.
Alguém faria piada sobre os horrores de Auschwitz? Não, isso seria um
completo absurdo e desrespeito. Mas acham graça de fazer piada sobre
escravidão, com mecanismos racistas criados para nos oprimir.
Uma mulher negra com cabelo crespo
comumente ouve piadas e é discriminada e, no carnaval, a mesma pessoa
que ridiculariza nossos cabelos quer se vestir de “nós” para seguir
ridicularizando. Recentemente participei de um programa da Al-Jazeera
English sobre racismo no Brasil juntamente com Nênis Vieira, do Blogueiras Negras
e Daniela Gomes, do Afroatitude. Fiquei muito feliz por poder falar de
forma aberta e franca sobre essa chaga que nos aflige. Sonhando com o
dia em que a mídia brasileira pare de tratar o assunto com descaso e
julgando que vale tudo para o riso. Não somos fantasias de carnaval em
nenhum sentido: para sermos ridicularizadas ou sermos tratadas como
meros corpos que sambam e rebolam. Respeitem nossa humanidade.
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