“O golpe contra Maduro se dissolveu e perdeu prestígio”, diz Anita Prestes

Reprodução
Para ela, que esteve recentemente naVenezuela, não é o povo que está nas ruas protestando contra o governo, mas grupos provocadores, organizados, fascistas, treinados no exterior, muitos mercenários da América Central e paramilitares da Colômbia
3/04/2014
Por Vivian Virissimodo
Do Rio de Janeiro (RJ)
O Golpe foi derrotado. Essa é a avaliação da historiadora Anita Prestes, filha dos militantes comunistas Olga Benário e Luiz Carlos Prestes. Ela esteve na Venezuela nas últimas semanas para participar da Feira do Livro de Caracas. Lá, ela falou sobre a atualidade da Coluna Prestes, presenciou manifestações e conheceu o funcionamento das comunas.
Brasil de Fato – Em linhas gerais, como você avalia a situação política da Venezuela?
Anita Prestes – O golpe foi derrotado. Isso o próprio vice-presidente da República declarou enquanto eu estava lá. Agora se tem resquícios, como se diz. Uma das coisas que eu acho importante destacar é que diferentemente do que a imprensa mundial, numa campanha de desestabilização do governo, tem dito, não é o povo que está nas ruas protestando. Mas o que há são grupos provocadores, organizados, fascistas, treinados no exterior, muitos mercenários da América Central e paramilitares da Colômbia. Tudo começou no estado de Táchira, que fica na fronteira com a Colômbia, uma região de narcotráfico e dos paramilitares colombianos. Nesse estado, que é governado por um político de oposição, foi aí que aconteceram esses focos de violência contra o povo. A provocação é armada e mata gente.
Desde que começaram os protestos, 39 pessoas morreram...
A grande maioria dessas pessoas foram assassinadas por estes grupos fascistas e paramilitares. Aconteceu um caso ou outro de excesso das forças militares bolivarianas, que já estão sendo punidos. Esses grupos, que são ligados a setores da oposição, pretendiam criar um clima de instabilidade. O serviço de contrainf ormaçãodetectou que no dia 11 de fevereiro, dia que antecedeu o primeiro protesto, que foi promovida uma reunião na casa de Leopoldo Lopez. Nesse dia, eles afirmaram que queriam incendiar a Venezuela. Nesses termos. A ideia era criar um clima de caos no país para justificar o golpe. Eles queriam que a violência fosse respondida com violência. E o discurso do governo é de paz, de diálogo. Inclusive o presidente Nicolás Maduro tem convocado diferentes setores para dialogar. O que se vê é que agora, alguns prefeitos da oposição estão se pronunciando a favor do diálogo e contra a violência. A gente sente que o golpe se dissolveu e perdeu prestígio. O golpe foi desmascarado perante a população.
Como tem sido o apoio popular ao governo Maduro?
Nos cinco dias em que estive na Venezuela cruzei com duas manifestações enormes. Os trabalhadores com faixas de sindicato de diferentes setores. As pessoas estavam tranquilas e com muita serenidade e o povo que não estava na manifestação, via as marchas com simpatia.
As duas manifestações em defesa do governo marchavam em direção ao palácio Miraflores para prestar apoio ao Maduro. As palavras de ordem eram “Viva Maduro”, muitas empunhavam fotos de Hugo Chávez e de Simon Bolívar. Deu para perceber que o resgate da história revolucionária dos povos latino-americanos continua sendo uma preocupação na Venezuela. Em primeiro lugar, os heróis do país, mas também de toda a América Latina, inclusive Luiz Carlos Prestes. Além da manifestação dos sindicatos, também aconteceu um ato em apoio à milícia bolivariana. Aí você percebe que o povo está muito articulado com o Exército e com as milícias. Claro que não é tudo cor-de- -rosa: outro dia três generais foram presos, por exemplo.
Já que o golpe foi derrotado, dá para dizer que Maduro está saindo fortalecido?
Eu acredito que sim. Ele está aprendendo a governar, tudo isso é novidade para ele. O discurso de populares tem sido: “efetivamente Maduro não é Chávez. Chávez foi único. Mas Maduro tem se saído muito bem e avançado e nós temos que apoiar Maduro”.
E como a revolução bolivariana sai desse processo?
Fica claro que os golpistas não têm vez. Pelo menos não nesse momento. Não podemos afirmar que esse cenário está consolidado porque a Venezuela está dividida. O panorama é que tanto burguesia quanto a classe média alta não querem perder seus privilégio. Antes a renda do petróleo era repartida entre os ricos, agora a renda é aplicada para melhorar as condições de vida do povo. Lá, fiquei sabendo de dados interessantíssimos que comprovam essas melhorias: 96,6% da população venezuelana faz três refeições por dia. Toda criança tem garantido um litro de leite por dia. Outro momento da viagem que me marcou foi a visita à maior comuna de Caracas, a Comuna 23 de janeiro.
Como funcionam essas comunas?
Idealizadas por Chávez, as comunas têm a função de desestruturar a estrutura do Estado, que é um Estado burguês. Esse Estado, com sua burocracia, sabotava e sabota as medidas revolucionárias colocadas em prática por Chávez. Para romper com isso, o que Chávez fez? Ele imaginou, em primeiro lugar, as missões, que são estruturas paralelas ao Estado, para resolver os problemas antigos que não são solucionados pelo Estado. Foram colocadas em prática Missões de Saúde, Missões de Educação, Missões de Moradia. Ao mesmo tempo, ele criou condições para instituir o que ele chama de Estado Comunal, isto é, a organização de todo o povo em comunas. Isso é algo que ainda não aconteceu em toda a Venezuela, mas caminha nessa direção. Por exemplo, essa comuna que eu visitei tem 300 mil habitantes. Dentro das comunas, os conselhos comunais fazem a organização dia a dia. A ideia do Chávez – não se vai dar certo –, mas é que esse Estado comunal vá substituindo, pouco a pouco, o Estado burguês. A Comuna 23 de janeiro tem tradição de luta, lá estive em uma Delegacia de Polícia que foi transformada em Centro de Cultura, onde funciona uma rádio comunal.
E como está estabelecida a democracia da mídia na Venezuela?
Em Caracas, tem umas três televisões governistas e umas dez ou 15 criticando Maduro com uma campanha violenta contra o governo. As bancas são cheias de jornais e a maioria é contra Maduro. Dizer que não tem democracia na mídia na Venezuela é uma mentira. Mas o fato é que a condição de vida dos trabalhadores melhorou de tal maneira que não tem campanha da mídia que consiga destruir isso. O amor que o povo tem por Chávez é algo impressionante. As pessoas sentiram que pela primeira vez um governante se preocupou com eles.
Por que aconteceu essa crise de desabastecimento?
Este é um grande problema da Venezuela, que não veio de agora, é anterior ao governo de Chávez. Na medida em que o petróleo é abundante, consolidou-se uma “mentalidade petroleira” no país. O que é isso? O pensamento é o seguinte: como há muito petróleo, então não é necessária a produção de alimentos pois é possível importar absolutamente tudo. Resultado? Atualmente, 80% do abastecimento alimentar é importado e apenas 20% é produzido no país. Mesmo com medidas tomadas por Chávez para estimular a autonomia alimentar, a produção básica de alimentos no país, isso tem se mostrado muito difícil. Para transformar essa realidade, companheiros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) têm atuado em missões para ensinar agricultura e estimular o plantio no país. Além disso, temos outro detalhe importante para explicar o desabastecimento: com a redistribuição de renda, aumentou o consumo dos venezuelanos nos últimos anos.
Como você tem avaliado a atuação da Unasul nesse contexto?
Fundamental. Uma das coisas mais importantes que nós brasileiros podemos fazer é a solidariedade. Tanto a Unasul quanto a Celac, Alba e Mercosul têm desempenhado um papel muito grande. O governo brasileiro de uma maneira geral tem tido uma boa posição.
Três chancelares, um de cada país, do Brasil, da Colômbia e do Equador formaram uma comissão que vai acompanhar atentamente a situação na Venezuela e isso é muito positivo.

http://www.brasildefato.com.br/node/28023

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

15 provas de que tudo era permitido no Brasil nos anos 80 e 90

Mafia, Códigos e Rituais de afiliação entre mito e realidade

Nem tão livres, nem tão iguais