A mordaça está voltando?
"Estamos caminhando para um Estado policial"
Jurista afirma que, com Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça, repressão deve ganhar força no governo Michel Temer
Roberto Stuckert Filho/PR
Marcelo Neves: jurista foi um dos vários que fez parecer contrário ao pedido de impeachment
"Eu não diria que foram manifestações. Foram atos que não configuram uma manifestação porque não tinham nada a pleitear. Eles agiram como atos de guerrilha." Desta forma o então secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, reagiu aos protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff, que no dia 10 de maio bloquearam vias importantes de São Paulo.
Na segunda-feira 16, recém-empossado ministro da Justiça e Cidadania do governo dopresidente interino Michel Temer (PMDB), Moraes disse à Folha de S.Paulo que nenhum direito é "absoluto". Com a mudança de governo, a pasta da Justiça passou a incorporar as atribuições das secretarias das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
Em entrevista a CartaCapital, o jurista Marcelo Neves, professor titular de Direito Público da Universidade de Brasília e doutor em Direito pela Universidade de Bremen (Alemanha), afirma que a fusão das pastas e a nomeação de Moraes indicam que os setores ligados às minorias e aos direitos serão fragilizados, ao passo que a repressão policial deve ganhar força.
Leia a entrevista:
CartaCapital: O que podemos esperar do Ministério da Justiça de Alexandre de Moraes?
Marcelo Neves: Se nós considerarmos os antecedentes, o passado dele, vemos que ele está mais ligado à postura da repressão. Repressão aos estudantes, aos movimentos sociais. A perspectiva, portanto, é que o foco nos direitos e na cidadania se perca, se enfraqueça, enquanto a dimensão mais repressiva e policial do Ministério da Justiça deve ganhar significado.
CC: Moraes disse à imprensa que os protestos contra o impeachment foram “atos de guerrilha” e que nenhum direito é absoluto, incluindo o direito à manifestação...
MN: Essas declarações indicam exatamente que estamos caminhando para um Estado policial. Para criar este Estado policial, não há melhor ministro que o Alexandre de Moraes. Ele é o mais adequado.
As garantias e os direitos dos cidadãos, principalmente das camadas mais pobres, das camadas subalternas e dos movimentos sociais, serão restringidos, serão alvo de fortes ataques e ofensas. Essa ideia de que o movimento social se confunde com guerrilha é muito perigosa, beira a posturas fascistas.
CC: Faz sentido incorporar as pastas das mulheres, da igualdade racial e dos diretos humanos ao Ministério da Justiça? Qual a consequência dessa fusão?
MN: A ideia de que a máquina estatal será reduzida ao reduzir o número de ministérios é totalmente falsa. Essa fusão vai, na verdade, fragilizar aqueles setores que são ligados às minorias, ligados aos direitos e, dessa maneira, torná-los secundários.
CC: O senhor tem alguma opinião a respeito da obra e do trabalho de Alexandre de Moraes, como constitucionalista e como advogado?
MN: O Ministério da Justiça não é indicado para um advogado que defendeu cooperativas suspeitas de realizarem lavagem de dinheiro para o PCC. É um advogado problemático para assumir a pasta. Não que os criminosos não tenham direito a defesa, mas, para a pasta da Justiça, ele não é adequado.
Como professor, ele é um professor mais superficial. Ele escreve livros para concurso, para o típico concurso brasileiro, que está dando errado. Os concursos brasileiros são de ‘decoreba’, não levam juízes e procuradores a refletir. Nós estamos criando uma geração de juízes e promotores totalmente alienados, sem capacidade reflexiva sobre os problemas jurídicos. Então esse tipo de manual para concurso é superficial, prejudica a formação daqueles que seguem as carreiras jurídicas.
CC: Ele também defendeu o Eduardo Cunha em uma ação.
MN: O advogado pode defender criminosos, e os criminosos merecem defesa, mas isso não quer dizer que ele pode se legitimar para um cargo político dessa dimensão. Não é adequado que o advogado de uma pessoa que está envolvida em vários escândalos de corrupção e que está fora do exercício por decisão do Supremo seja o ministro da Justiça. Não tem sentido, é totalmente inadequada e inoportuna essa escolha.
CC: O senhor acha que o Supremo ainda vai ser chamado no processo de impeachment?
MN: Eu acho que o Supremo pode ser chamado, mas, como tem tido uma postura muito parcial, a Corte tenderá a admitir tudo que for feito para a manutenção do impeachment. O Supremo já demonstrou que está perdido neste processo e que não está atuando corretamente. Seja pelas declarações e prejulgamentos, especialmente do ministro Gilmar Mendes, mas também de ministros como Celso de Mello.
No caso do Gilmar, as práticas são as mais diversas, terminando por dizer que o governo poderia ir "para o céu, o papa ou o diabo", que não ia resolver. O Celso de Mello legitimou os vazamentos ilegais quando respondeu que o STF não estava "acovardado".
Isso fere a questão das normas de suspeição. É muito grave essa situação de prejulgamento, de manifestações antecipadas. Se um juiz qualquer fizesse isso no plano municipal ou estadual, em relação a prefeitos e governadores, um juiz que não fosse graúdo seria com certeza punido.
É triste ver essa postura do Supremo, que mostra parcialidade e, em alguns momentos, posturas inexplicáveis, como a morosidade da decisão sobre Cunha, tomada depois que toda a obra conduzida por ele já tinha sido feita. Com isso vem o reconhecimento de que ele não teria condições de estar na presidência da Câmara, nem sequer como deputado. Isso mostra certas incoerências, mostra que o Supremo está perdido em incoerências.
CC: Estar perdido é um ato involuntário?
MN: É, em parte, voluntário. O Judiciário, especialmente o Supremo, está muitas vezes mais preocupado em dar uma resposta à grande mídia do que decidir, em termos jurídicos, temas relevantes.
CC: A fala do Lula sobre o STF “acovardado” pode ter influenciado ainda mais o comportamento dos ministros?
MN: É muito natural que, em conversas privadas, se fale algo que não deve ser posto publicamente. Isso não é crime. Isso é uma conversa privada que não deveria ser divulgada porque é irrelevante para a dimensão de qualquer elemento criminal.
A resposta [dada pelo ministro Celso de Mello] fortificou essa postura do Supremo por um tipo de corporativismo, por um tipo de vaidade injustificada pela qual os ministros estão tomados. Então isso realmente o tornou não só acovardado, mas capturado pelo projeto golpista. O Supremo está totalmente capturado pelo projeto golpista.
CC: O senhor defende algum tipo de punição para o juiz Sergio Moro por conta do episódio dos grampos?
MN: Sim, ele praticou um crime. Ele está enquadrado no artigo 325 do Código Penal e também no artigo 17 da resolução 59 do CNJ. Essa resolução foi aprovada na época do ministro Gilmar Mendes, que no CNJ atuou bem, foi um bom presidente.
O delegado Protógenes Queiroz foi condenado pelo artigo 325 exatamente por divulgar material sigiloso. A operação Satiagraha foi anulada por muito menos. Mas agora existem dois pesos e duas medidas. Esse juiz, no meu entender, praticou crime.
CC: Qual deve ser o futuro da Operação Lava Jato?
MN: Eu diria que existe uma probabilidade grande de que agora haja um controle da Polícia Federal e uma maior pressão sobre o Ministério Público para que todas essas operaçõessejam enfraquecidas.
Se elas forem ampliadas, elas tendem a encontrar muitos desses envolvidos com o governo. Então a tendência é que se retorne ao modelo de Fernando Henrique Cardoso na busca do engavetamento de casos, na busca de uma Polícia Federal obediente. Eles dizem que não, mas o potencial é muito grande. Temer e vários dos seus importantes ministrospodem ser alcançados e punidos, então é evidente que eles fiquem mais suscetíveis a criar barreiras para a operação.
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