A grande dívida da Globo

Quarenta anos atrás, em 28 de novembro de 1975, culminava a Primeira Reunião Interamericana de Inteligência Nacional. Reunidas em Santiago do Chile, delegações da Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai e do Paraguai acordavam uma série de recomendações para seu acionar futuro. O objetivo era formar um organismo para a coleta e troca de informações de cidadãos de cada país considerados subversivos, além de facilidades para os serviços de inteligência de operar além das fronteiras.

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Por iniciativa da delegação uruguaia e aprovada por unanimidade, em homenagem ao país sede, esse organismo passaria a se denominar CONDOR. Prontamente, o Brasil completaria o grupo. Classificada como supersecreta pelos Estados membros, a “acta do nascimento do Condor” só viria a ser revelada em 1992, juntamente com toneladas de documentos dos “arquivos do terror”, graças ao trabalho investigativo do professor Martim Almada, vítima da tortura do regime de Alfredo Strossner no Paraguai (ver entrevista publicada na edição nº 51 de AND).
O Plano Condor se converteria em uma organização internacional praticante do Terrorismo de Estado contra os opositores aos regimes ditatoriais, causador das torturas e mortes de várias centenas de dirigentes e ativistas revolucionários e democratas.
De forma coordenada ou não, por cooperação ou subjugação, os regimes fascistas só poderiam se consolidar e perpetuar no poder com o apoio dos meios de comunicação para controlar a opinião pública, principalmente a televisão.
Pouco tempo atrás, a Globo fez uma misancene de autocrítica, limitando-se a admitir o erro de ter apoiado o golpe militar em seu editorial.
O Canal TVN (Televisão Nacional do Chile), recentemente, emitiu em seu programa Informe Especial o capítulo: Las montajes de la ditadura (As montagens da ditadura). Em um exemplo raro de coragem e honestidade com a população, o canal revelou seus arquivos de uma época em que sofreu intervenção do regime fascista e era utilizado pelo governo Pinochet para manipular informações e distorcer a realidade.
Como base para seu esquema de desinformação e controle da imprensa, o regime fascista de Pinochet contava com a assessoria do psicólogo Hernán Tuane Escaff. Em documento de sua autoria, denominado Campanha de penetração psicológica massiva, sinaliza uma ação de guerra psicológica com as diretivas que guiariam a forma e o conteúdo do material jornalístico.
O programa nos apresenta uma espécie de cronograma em que vários meios tem tarefas de emitir matérias com objetivo específico, e que constam a mensagem consciente mostrada e a inconsciente pretendida. Tudo muito científico. Por exemplo: em certo dia a TV vai ter uma reportagem sobre tráfico de drogas, mas a mensagem inconsciente a ser passada será a ideia desvalorizar o marxismo.
Informe Especial chileno nos mostra o material original, bruto das filmagens, e os compara com as reportagens já montadas. Em uma matéria vemos os militares parados, uma voz que diz “Filmando!” e começam a se movimentar avançando, apontando as armas. Na cena seguinte, a câmera filma o chão como se o repórter se estivesse protegendo, e termina na imagem de um homem morto com um fuzil ao lado. Na montagem final, lógico, é apagado o grito de “Filmando!”. Na cena que filma o chão são acrescidos barulhos de forte tiroteio. O “repórter” vai narrando a cena do “confronto” que termina com o guerrilheiro morto. Um típico auto de resistência montado com um cadáver.
Também são reveladas reportagens em que presos políticos se dizem bem tratados, arrependidos dos seus atos passados. Na filmagem original, militares apontam contra eles, que haviam acabado de serem torturados.
Resulta claro que todo aspirante a golpista e ditador-fascista, por mais feroz que seja, precisa de certo grau de apoio da população para tomar o poder e, mais ainda, para se manter. Para moldar esse consenso é imprescindível a máquina dos meios de comunicação. E esse tipo de apoio, como o dado por grande parte dos monopólios de imprensa aos regimes militares, não se consegue simplesmente colocando um censor de plantão na redação. Matérias têm que ser feitas com esse propósito. Certamente, muitos jornalistas colaboraram por que foram ameaçados das mais diversas maneiras, desde o desemprego até a morte.
As organizações O Globo, como maior facção do monopólio das comunicações no Brasil, foi uma ferramenta fundamental da comunicação do regime militar fascista que infelicitou nosso país de 1964 a 1985 e segue servindo com esmero às classes dominantes locais, ao imperialismo e toda a reação até os dias atuais e tem muita coisa a revelar. Com certeza, se quisessem revelar Montagens na Ditadura Brasileira,teriam farto material em seus enormes arquivos. Arquivos que, em última instância, pertencem, são patrimônio cultural do povo brasileiro e, portanto, a Globo deve torná-los públicos.

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